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Guilherme de Ockham: Doutor invencível, o inimigo do papa

  Por: Silvério da Costa Oliveira.

 Guilherme de Ockham

 Guilherme de Ockham (1285-1347) ou William of Ockham (Ockham; Occam; Auquam; Hotham; Olram) conhecido por “venerabilis inceptor” (venerável iniciador), “Doctor invincibilis” (doutor invencível) nasce em Ockham (povoado de Surrey, perto de East Horsley), na Inglaterra, e vem a falecer, provavelmente em decorrência da peste negra, em Munique, Alemanha, na data de 9 de abril, então com cerca de 59 anos de idade (Há discordâncias com relação ao ano de seu nascimento por parte de seus comentadores, o que tende a afetar a idade com a qual veio a falecer). Pertence à Ordem Franciscana, onde foi frade. Atuou como religioso e frade franciscano, teólogo, lógico e filósofo.


 

Há divergência entre os comentadores se teria ou não sido discípulo, quando jovem, de Duns Escoto. Entrou em embate contra o papa João XXII (na época o papa ficava na cidade francesa de Avignon e não na cidade italiana de Roma em virtude de querela com o rei da França Felipe IV, o Belo) sobre o tema da pobreza e da propriedade, e em virtude deste confronto buscou apoio e abrigo junto ao imperador Luís da Baviera, que na época se encontrava em Pisa, na Itália, e depois acompanhou o imperador para Munique. A ordem Franciscana a época estava internamente dividida entre espirituais e conventuais na questão da propriedade ou usufruto dos bens da Ordem. Os espirituais queriam somente o usufruto sem a propriedade, pois, segundo estes o voto de pobreza impedia que os mesmos fossem proprietários de qualquer coisa. Já os conventuais viam tais mudanças como naturais em decorrência da evolução dos tempos. Ockham ficou do lado dos espirituais defendendo o voto de pobreza e a separação entre posse e propriedade, contrariando o papa.

Adota o princípio de que não se deve multiplicar as entidades mais que o necessário (entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem), também conhecido como princípio de Ockham ou princípio da economia ou princípio da parcimônia ou navalha de Ockham. Esta formulação é comumente atribuída a Ockham, se bem não se encontre presente em seus escritos, mas coerente com suas ideias e pensamento. Há no entanto uma frase semelhante que podemos encontrar em sua obra "Frustra fit per plura quod potest fieri per pauciora" (É vão fazer com mais o que se pode fazer com menos). É possível retroceder historicamente o princípio de parcimônia a outros autores até chegarmos a Aristóteles.

Diante de um fenômeno observado na realidade, não devemos introduzir mais entidades do que as necessárias para resolver a questão. Não devemos empregar um número maior de conceitos, regras, princípios, etc., além dos que são estritamente necessários para apresentar uma consistente demonstração ou explicação válida. O que significa que diante das possibilidades de explicar um fenômeno da realidade, diante das explicações possíveis, devemos adotar a que possua o menor número de conceitos ou dito de outro modo, a mais simples.

Nele temos presente de modo intenso o tema da liberdade. Segundo Ockham o humano tem a capacidade de poder escolher entre o certo e o errado sem necessidade de qualquer intervenção exterior. Cabe ao humano decidir os rumos que irá dar a sua vida sem a imposição do Estado, do líder religioso ou da sociedade.

A capacidade que nós humanos possuímos de poder escolher os rumos de nossa vida, nosso livre arbítrio, provém de nossa natureza distinta dos demais animais. Aos demais animais só cabe agir pelo instinto, mas aos humanos cabe também poder viver e agir pela arte e pela razão. Liberdade é poder escolher o que queremos e o que não queremos, o que iremos ou não fazer ou deixar de fazer.

A liberdade em Ockham também ganha destaque em sua ética. Aqui temos a discussão sobre o livre arbítrio e também sobre a finalidade da vida. Nossa liberdade pode se deparar com o poder do Estado ou da Igreja e este poder assim organizado pode atuar de modo a prejudicar o exercício de nossa liberdade. A liberdade humana é um dom dado por Deus e não deve e não pode ser usurpada por outros, mesmo que em nome de fins ditos nobres ou da religião oficial.

Aceita a ideia, já defendida anteriormente por outros autores, de que Deus é a causa incausada responsável por todas as demais que a ela se seguiram. Negando a possibilidade de haver uma série infinita de causa e efeito, deve haver uma causa original da qual as demais se originaram. Mas segundo o autor, pressupor a existência de uma causa eficiente primeira, por mais perfeita que esta seja, não é a mesma coisa que provar a existência de Deus como o queriam autores anteriores. Por tal causa eficiente busca simplesmente um ponto de referência para apoiar o seu raciocínio. Somente pela fé e não pelo uso da razão, podemos saber que Deus existe e que é único. Ockham se mostra crítico com relação as assim chamadas provas racionais da existência de Deus, impondo deste modo limites ao nosso conhecimento natural por meio da razão.

Por meio de seus escritos defende a ideia de que somente a experiência proporcionada pelos sentidos nos permite conhecer a realidade, pensamento este que está na base de sistemas filosóficos historicamente posteriores e mesmo do desenvolvimento da ciência moderna.

Na querela dos universais podemos classifica-lo como nominalista ou terminalista (terminista), pois, nega a existência dos universais na realidade, estes existiriam somente por meio das palavras ou termos que usamos para designá-los de modo oral ou escrito e em nossa mente. Na realidade encontramos somente seres individuais, só existe o indivíduo. Somente existe o singular e é este que conhecemos por meio de nossos sentidos e de nosso entendimento.

Concorda com Aristóteles que a ciência se faz somente do universal e não dos indivíduos. Já que Ockham entende que só há indivíduos, seria de se supor que o conhecimento científico deveria se dar sobre os indivíduos, no entanto, ele afirma conjuntamente com Aristóteles que a ciência é do geral e não do individual, mas não há aqui uma contradição, pois, segundo o pensamento de Ockham a ciência se faz no geral na medida em que o geral pressupõe o individual.

Tomando sempre por base o individual concreto, o singular em cada coisa presente na realidade, Ockham reduz as dez categorias (substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, posse, ação e paixão) de Aristóteles para somente duas, fazendo uso aqui também do princípio ou navalha de Ockham. As duas categorias aceitas e que podem ser obtidas a partir dos singulares são, respectivamente: substância e qualidade.

Segundo o pensamento de Ockham, para demonstrar uma proposição é preciso mostrar sua evidência ou deduzi-la de outra evidente. Nele temos também sempre presente a necessidade do concreto, do real, do empírico, dos seres singulares. Já o conhecimento abstrato é obtido por meio da relação entre ideias, sem, no entanto, que haja qualquer garantia de conformidade ao mundo real. Quando falamos em evidência imediata que proporcione a verdade e a realidade das proposições, estamos nos referindo ao conhecimento intuitivo. Somente por meio da intuição podemos provar a existência de algo. Todo o conhecimento se origina do particular, do singular, e por meio de generalização obtemos o universal, a lei. Disto temos a necessidade da experiência para conhecermos a causa de algo. Busca-se deste modo a evidência do particular que nos permita chegar a conhecer o universal, pois, o universal não possui realidade, sendo obtido por nosso intelecto a partir do particular, do singular. Não existem na realidade conceitos abstratos ou universais, o que existe é somente termos (terminalismo) ou nomes (nominalismo) que encontram seu significado na designação dos entes proporcionados ao nosso intelecto por meio de nossos sentidos e de nossa experiência.

Tendo por base os entes singulares presentes na realidade e as situações particulares e concretas, em oposição ao pensamento então predominante, provindo de Aristóteles e seus comentadores, bem como Tomás de Aquino, que buscava o entendimento dos universais, Ockham entendia que Deus e a natureza davam a cada indivíduo o direito de escolher entre o sim e o não, entre o que considerasse conveniente ou não para si. A partir de uma reflexão que utiliza também os textos sagrados e a visão cristã de Deus, Ockham entende que o humano possui um direito subjetivo natural, elevando deste modo o poder de tomada de decisões à dignidade de direito. O poder excessivo provindo do exterior só tende a corromper a liberdade subjetiva e o nosso livre arbítrio.

O Deus que Ockham concebe muito lembra o Deus presente no Antigo Testamento, Javé, com seus caprichos, que tudo pode ao seu bem entender e não estando limitado por conceitos formulados por nossa razão.

Quando falamos de Deus segundo o pensamento de Ockham devemos entender que Deus é todo poderoso e ilimitado, mas mesmo sendo onipotente, não pode ir contra o princípio da não-contradição. Não seria cabível, por exemplo, imaginar que Deus pudesse criar algo maior que Ele próprio ou que pudesse transgredir princípios lógicos, deste modo, a lógica O limita.

Segundo Ockham, há uma nítida separação que deve ser observada entre de um lado a razão e filosofia e de outro a fé e teologia.

Ockham separa radicalmente a fé da razão, a teologia da filosofia. A teologia não é uma ciência, pois a filosofia e demais ciências tem como objeto de pesquisa e estudo ao ser singular, ao individual, ao ente concreto presente na experiência e que percebemos pelos nossos sentidos. Já Deus só é acessado pela fé, não há outra via para se chegar a Deus e nem é possível provar pela razão sua existência. Ockham não separa existência de essência, pois, toda essência tem de ser vinculada a uma existência, não tenho como falar da essência de algo sem que primeiro o tenha percebido em sua existência. Nega que possamos por meio da natureza, como o quer Tomás de Aquino em suas cinco vias, provar a existência de Deus, no máximo provamos a necessidade de uma causa incausada ou de um primeiro motor, mas Deus é muito mais que tudo isto. Portando, nega que seja possível provar a posteriori a existência de Deus. Também nega que seja possível, como o quer Anselmo da Cantuária, provar por meio da essência a existência de Deus. Primeiro temos acesso a existência de algo e somente depois a sua essência. Deste modo, nega também que seja possível provar a existência de Deus a priori. Só nos resta a fé, a revelação, para conhecermos algo sobre a existência e essência de Deus. Sendo Deus todo poderoso, ele tudo pode e não se conforma a limitada razão humana, ao contrário, é a razão que se conforma a vontade soberana de Deus.

Ockham abre espaço para a multiplicidade de cosmos e para universos paralelos com leis distintas das existentes neste nosso universo, pois, nada pode limitar a vontade de Deus.

Ockham tem trabalhos sobre política onde defende a separação entre Igreja e Estado e um governo com responsabilidade limitada, tendo sido importante no desenvolvimento da ideia de direito de propriedade. Não caberia ao papa, líder religioso, intervir em assuntos do Estado, o governo do Estado é unicamente terreno e não está sob o poder espiritual do líder religioso, sendo que este pode, inclusive, ser julgado e condenado pelo Estado se tiver cometido algum crime.

Podemos perceber que as formulações sobre linguagem e lógica, sobre a ênfase no singular e sobre o poder e a política tiveram a sua época e também posteriormente, um impacto sobre não somente o pensamento, mas também questões sociais, tais como a relação envolvendo o poder temporal dos papas e dos demais governantes na Europa ocidental, o direito da propriedade, o conceito de Estado e o direito individual, ou mesmo, a elaboração das teses apresentadas por Lutero, e do pensamento de outros líderes religiosos presentes na reforma protestante, onde fica nítida a influência de Ockham.

 Silvério da Costa Oliveira.

 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

Site: www.doutorsilverio.com

(Respeite os Direitos Autorais – Respeite a autoria do texto – Todo autor tem o direito de ter seu nome citado junto aos textos de sua autoria)

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