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Nicolau de Cusa: O "Cusano" e suas ideias em "A Douta Ignorância" e "A Visão de Deus"

Por: Silvério da Costa Oliveira.

 

Nicolau de Cusa

 Nicolau de Cusa (1401-1464), também conhecido por “o cusano”, estudou em Heidelberg, Pádua, Roma e Colônia. Quando contava 16 anos, ingressou na Universidade de Heidelberg, mais tarde, em 1423, formou-se em Direito pela Universidade de Pádua, na Itália. Foi ordenado sacerdote no ano de 1426. Em 1432 participa do concílio de Basileia.  Exerceu a atividade de cardeal da Igreja Católica Apostólica Romana, tendo sido nomeado em 1448. Em 1450 é nomeado bispo de Brixen, representando os interesses do papa na Alemanha.

Nasce na pequena aldeia de Cues, nas proximidades de Tréveris e próximo a Mosela, na hoje Alemanha. Conhecido por ser autor, dentre outras obras, de “De docta ignorantia” (A douta ignorância), 1440 e também de “De visione Dei” (A visão de Deus), 1453. Atuou intensamente como homem de governo com trabalho diplomático e homem religioso e reformador, além de atividades científicas. Escreveu sobre muitos assuntos, tais como: filosofia, direito, política, matemáticas e astronomia. Manteve uma atividade religiosa e mística constante no decorrer de sua vida. Tinha como desejo e aspiração a realização de uma unificação religiosa entre não somente o cristianismo, mas incluindo também os de fé muçulmana.


 

Ao falarmos de Nicolau de Cusa, nos referimos ao neoplatonismo fora da Academia de Florença. Temos neste pensador um grande sistematizador, onde se juntou elementos provenientes da teologia com o conhecimento científico, além de elementos provenientes da filosofia de Aristóteles e de uma oposição a posicionamentos então presentes na Escolástica.

Nicolau de Cusa pode ser classificado como filósofo e religioso, e um dos primeiros representantes do humanismo renascentista. Nele temos presente o que poderíamos hoje chamar de “ecletismo”, no qual encontramos a mística neoplatônica, a Escolástica e o nominalismo racionalista, bem como, o desejo de fusão de todas as religiões em uma unidade, do mesmo modo que o infinito que é Deus concentra todos os opostos.

Seu pensamento, de forte influência neoplatônica, nos traz o conceito de Uno vinculado ao de Deus cristão e seu misticismo provém desta influência. Deus é transcendente e incognoscível para nós humanos. Entende Deus como Uno, mas também trino, em alusão à Santíssima Trindade.

Segundo o pensamento de Nicolau de Cusa, temos que Deus sempre existiu e cria o universo do nada. Há uma ordem para os seres, a saber: 1- Deus, que é o máximo absoluto, princípio e causa de todas as coisas, 2- o universo, que é o máximo contracto, conjunto formado por todos os seres possíveis, e 3- as coisas particulares. A relação existente entre Deus e o universo por Ele criado é expressa pela fórmula “complicatio (complicação, complexidade) – explicatio (explicação)”, trata-se de uma totalidade onde tudo que existe no universo preexiste em Deus. A pluralidade se encontra presente dentro da unidade. Na filosofia de Nicolau de Cusa, Deus é entendido como o máximo absoluto, e o universo, por sua vez, como máximo contraído. Deste modo, o universo passa a ser entendido como manifestação e explicação do infinito que é Deus.

No título da obra “A visão de Deus” temos uma dualidade presente, que é a visão do criador sobre a criatura e a visão da criatura sobre o criador. Ao olharmos para Deus, como em um espelho, vemos nele refletido nosso próprio olhar. Se olhamos com amor, vemos amor, mas se com outros sentimentos, serão a estes que iremos ver. Se olhamos para o infinito que é Deus com amor e alegria, é isto que nele vemos, mas se olhamos para este infinito Deus com dor e cólera, da mesma forma será a visão que teremos em resposta. Em razão do lugar onde me posiciono para contemplar um quadro com uma figura de homem nele pintado, o olhar deste homem no quadro há de me seguir da mesma forma. Independente do lugar onde contemplamos o quadro, este é o único a ser olhado por ele. Do mesmo modo, o olhar de Deus nos segue individualmente, Deus está em seu infinito estado, sempre olhando para cada um de nós.

Entende que todos os contrários hão de coincidir na infinidade de Deus, na qual todas as oposições são superadas. Em Deus temos o máximo e o mínimo, o tudo e o nada. Tais coincidências de opostos com suas respectivas superações na infinidade de Deus, em muito ultrapassam a possibilidade do conhecimento humano, estando, portanto, Deus, além da possibilidade de ter uma clara definição e conceituação por parte de nós, seres humanos. A infinidade de Deus, para Nicolau de Cusa, encontra-se presente em ato, já a infinidade do mundo encontra-se somente em potência, fazendo aqui uso destes conceitos provenientes da filosofia de Aristóteles. E por falar em Aristóteles, procura Nicolau de Cusa superar o princípio de não contradição presente na lógica de Aristóteles pela união de todos os opostos no infinito que é Deus. No infinito temos a conciliação e coincidência de todos os opostos.

O humano por meio de sua cognição, se encontra em um processo ascendente que lhe permite por meio do conhecimento, unificar as diferenças e contrariedades. Deste modo, pode o humano ascender das criaturas ao criador. Esta ascensão ocorre em três momentos, a saber: 1- phantasia (fantasia), 2- ratio (razão) e, 3- intellectus (intelecto).

Por meio da fantasia é possível reunir em uma representação as inúmeras imagens sensíveis, por vezes confusas, provenientes de nossos sentidos e percepção, diante da realidade que nos circunda. Já por meio da razão é possível unificar esta gama de representações em conceitos, fornecendo ordem. A razão ou intelecto discursivo nos permite obter os conceitos universais e por meio destes forma juízos e raciocínios, isto a partir de observações particulares. E, finalmente, por meio do intelecto ou razão especulativa, é possível transformar a multiplicidade na unidade, unificando-a. Já quanto ao conhecimento humano sobre a realidade de Deus, esta se dá somente por meio de uma intuição mística, que nos coloca diante da perfeição máxima de Deus, pois, Deus ultrapassa nossa capacidade cognoscitiva, aqui temos o conhecimento da unidade dos contrários.

Alguns comentadores preferem, no lugar de três graus, mais a intuição mística de Deus, falar em quatro graus de conhecimento presente no pensamento deste autor, a saber: 1- sentidos ou fantasia, 2- razão, 3- intelecto e, 4- contemplação intuitiva.

A doutrina da douta ignorância entende que nossa razão é limitada e relativa. Tal expressão fora anteriormente empregada por Boaventura e carrega em si o humilde reconhecimento, de modo consciente, desta limitação de nossa razão diante de Deus. Falar na douta ignorância é falar do conhecimento de saber que não sabemos, ao mesmo tempo em que renunciamos a possibilidade de um conhecimento direto e racional sobre o transcendente que é Deus. Não é possível ao humano chegar à verdade absoluta com somente o uso de sua razão. Podemos entender esta expressão do seguinte modo, douta como igual “a saber”, e ignorância como igual “a não saber”, ou seja, saber que não sabe, reconhecer o limite de nosso saber quando diante do ilimitado que é Deus.

Deus é entendido como a possibilidade de todas as coisas, o “poder ser” de modo real e absoluto. Uma potência que não pode ser resumida a um máximo ou mínimo, já que engloba todas as possíveis manifestações deste ser. Em Deus temos a unidade dos contrários, a unidade suprema, a “coincidentia oppositorum”. No infinito, que é Deus, coincide o número máximo com o mínimo, pois, não há limite possível e consequentemente não há algo que possa ser entendido como uma unidade quantificável. Deus é o lugar de convergência de todas as oposições e contradições possíveis.

A formulação do conceito de “docta ignorantia” afirma que nossa “ratio” (razão) possui limites que tornam seu conhecimento relativo, necessitando para suprir tais deficiências da ajuda do “intellectus”. Esta consciência do “não saber” e dos limites de nosso conhecimento racional proporcionam um tipo de conhecimento, que recebe o nome de “docta ignorantia”.

Pela doutrina da “docta ignorantia” entendemos que Deus é infinito e nossa mente finita, pois, somos criaturas finitas e criaturas finitas não podem compreender o infinito. Podemos conhecer comparando algo que já conhecemos com algo que ainda não conhecemos bem. Comparar o que sabemos ser verdadeiro com aquilo no qual temos dúvida é um método adequado para nosso mundo finito, mas não para o infinito. Não podemos conhecer o infinito por meio de nossa mente finita, mas desejamos ardentemente o poder, apesar de não ser possível alcançar a compreensão do eterno e perfeito, podemos nos aproximar da compreensão desta verdade. Deste modo, reconhecer nossa limitação quanto à possibilidade de conhecermos o ilimitado e infinito que é Deus é o início do conhecimento que podemos ter de Deus e aqui temos a “douta ignorância”, pela qual reconhecemos os limites de nosso conhecimento, sendo este o ponto inicial para o real conhecimento sobre a verdade que é Deus.

Na teoria do conhecimento formulada por Nicolau de Cusa, conhecemos por comparação com o que já sabemos, a partir da proporção ou proporcionalidade, no entanto, não há possível comparação ou proporção entre o finito e o infinito, deste modo, não nos é possível por meio de nossa razão vir a conhecer a Deus, que é infinito.

Muito interessante que como consequência de seu pensamento sobre o que seja Deus (a união de todos os opostos, incompreensível para nós, criaturas humanas limitadas, pois, o finito não pode compreender o infinito) propõe a união de todas as Igrejas, pois, nenhuma possui a verdade plena sobre o que seja Deus, o ilimitado. São todas visões parciais sobre Deus e por vezes contraditórias em alguns pontos, mas como Deus é o local de encontro de todas as contradições possíveis, caberia à Igreja, enquanto representante de Deus na Terra, ser o local de encontro de todas as contradições em uma Igreja unificada e ecumênica.

Para Nicolau de Cusa, o universo é entendido como uma realidade não definida, na qual o centro se encontra em toda parte e a circunferência em parte alguma.

Deus é o infinito em ato, o universo é o infinito em potência e as coisas individuais são todas limitadas. Já que Deus e o universo são ilimitados, não pode haver um centro e uma periferia ou borda. O universo e todas as coisas individuais nele presentes não é perfeito, pois o universo por ser um infinito em potencial não permite a perfeição, esta se encontra somente em Deus, que é um infinito em ato. Lembrando que no sistema cosmológico de Ptolomeu-Aristóteles a Terra ficava localizada no centro do universo, pois, o universo era entendido como sendo finito e circular e a Terra por ser o elemento mais pesado ficaria no centro. Neste sistema há um “em cima” e um “embaixo”, já no sistema cosmológico proposto por Nicolau de Cusa, não faz sentido falar em uma direção para baixo ou para cima.

           Silvério da Costa Oliveira.

 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

Site: www.doutorsilverio.com

(Respeite os Direitos Autorais – Respeite a autoria do texto – Todo autor tem o direito de ter seu nome citado junto aos textos de sua autoria)

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