Por: Silvério da Costa Oliveira.
Stuart Mill
John Stuart Mill (1806-1873) nasce em Londres, Inglaterra, e falece em Avignon, França, aos 66 anos de idade. Atuou como filósofo, lógico e economista. Filho de James Mill e Harriet Burrow. No lugar de uma educação formal em instituições de ensino regular, foi educado pelo pai, James Mill. Sua educação, severa e rigorosa, começou já aos 3 anos de idade, com o aprendizado de grego, aos 8 já lia Platão em grego. Aos 12 dominava o latim e a lógica de Aristóteles, bem como, estava adiantado nos estudos em economia, política e filosofia. Por influência de seu pai, aos 17 anos de idade veio a ocupar um cargo na Companhia das Índias, vindo a ocupar ali cargos elevados por cerca de 35 anos, até o fechamento da mesma no ano de 1856. Consta que aos 20 anos de idade teve uma forte crise nervosa, causada pela pressão do trabalho e do seu precoce desenvolvimento intelectual. Desde jovem publicou diversos artigos em jornais e revistas que aos poucos foram construindo sua reputação como grande intelectual. Defensor dos direitos das mulheres, foi eleito em 1865 para o parlamento britânico, ficando até 1868. No parlamento britânico defendeu o direito de voto (sufrágio) para as mulheres e se opôs à escravidão. Após esta breve carreira política no parlamento britânico, foi reitor da Universidade de Saint Andrews e, por fim, retirou-se para viver em Avignon, França.
Além de seu pai, James Mill, famoso filósofo em sua época, Stuart Mill conviveu e manteve amizade com diversas outras figuras ilustres de seu tempo, como, por exemplo: Jeremy Bentham, Augusto Comte, Samuel Coleridge, dentre outros. O desenvolvimento de suas ideias foi influenciado pelo Utilitarismo, Empirismo, Positivismo, Romantismo.
Seu grande amor foi Harriet Taylor (1807-1858), que conhece em 1830, que, por ser casada e com filhos na época (no total foram três filhos do primeiro casamento: Herbert, Algernon e Helen) teve como consequência que Stuart Mill esperasse por vinte anos até poder casar com ela, em 1851, somente após o falecimento de seu marido (John Taylor, farmacêutico e empresário). Stuart Mill não teve filhos. Após a morte de Harriet em 1858, Mill passou a viver com a enteada, Helen Taylor, que também era uma defensora dos direitos das mulheres. Helen Taylor há de se destacar como ativista e colaboradora de Stuart Mill. Stuart Mill vem a falecer após contrair uma infecção bacteriana (erisipela) a época incurável e foi sepultado ao lado de sua esposa, no cemitério de Saint-Véran, em Avignon.
No campo político e econômico as ideias de Stuart Mill são por vezes colocadas no campo do Liberalismo e por outras vezes no campo do Socialismo, por parte de seus comentadores. Isto ocorre porque Stuart Mill defendia o livre mercado, postura esta Liberal, mas também defendia que o Estado tem como obrigação promover serviços básicos para a população, tese presente nos movimentos socialistas. É comum o nome de Stuart Mill ser associado quando da defesa de teses presentes no Utilitarismo, no Liberalismo e mesmo nos debates sobre a liberdade do indivíduo perante o coletivo, a igualdade, a questão do bem-estar social.
Na economia, Stuart Mill combina a economia clássica com a justiça social e o bem estar coletivo. Entende que a produção de riquezas segue leis naturais, mas a distribuição destas riquezas é dependente de escolhas políticas e sociais. Esta visão trouxe críticas ao capitalismo, tal como se desenvolvia a sua época. Reconhece a existência de desigualdades provocadas pelo mercado e propõe que sejam feitas reformas sociais, dentre as quais: limitar o valor das heranças, cooperação entre trabalhadores, moderada redistribuição de riquezas. As bases do desenvolvimento do Estado de bem-estar social encontram-se em seu pensamento, tendo influenciado economistas e reformadores sociais na busca de um equilíbrio entre os benefícios do capitalismo com o emprego da justiça social.
Sua filosofia abarca diversas e distintas áreas do saber humano, o que inclui a ética, política, economia, epistemologia e lógica. Defendeu uma psicologia associacionista como base da moral. Contrariando o entendimento de Comte, entende que a psicologia possa ser uma ciência independente. Segundo o pensamento de Stuart Mill, a psicologia se apresenta como teoria das associações dos fatos elementares da vida psíquica. Como Empirista, entende que o recurso a experiência é contínuo e ininterrupto, discordando da construção de qualquer dogmatismo nas ciências.
Enquanto seu pai, James Mill, entendia que a mente era passiva, Stuart Mill a via como ativa, se opondo a visão mecanicista de seu pai, que entendia que a mente de dava somente mediante estímulos externos. Na opinião de Stuart Mill, a mente exerce um papel ativo na associação de ideias.
Funda sua moral na relação prazer (ausência de sofrimento) e dor (sofrimento), do mesmo modo que Bentham, mas enquanto este entende o prazer de modo quantitativo, Stuart Mill o faz de modo qualitativo. O bem-estar é um dos fins do comportamento humano e, critério de toda a moral. A moral do bem-estar é a moral utilitarista defendida por Stuart Mill, e neste bem-estar inclui tanto o próprio indivíduo, como também aos demais. Stuart Mill defende o princípio de maior utilidade individual e social para guiar o comportamento ético humano.
Stuart Mill prossegue a tradição iniciada por Jeremy Bentham e seu pai, James Mill, em defesa do Utilitarismo na Filosofia. Entende que a ética deva ser baseada em princípios utilitaristas. A moral se apresenta em ações que possam ser avaliadas positivamente no tocante a proporcionar maior prazer do que dor para um maior número de pessoas. Trata-se aqui da maximização da felicidade para o maior número de pessoas. Ocorre, no entanto, que aqui nesta questão Stuart Mill há de se distinguir de Jeremy Bentham e James Mill, ao propor a distinção qualitativa entre os diversos prazeres e dores, já que anteriormente a ênfase era somente quantitativa e agora com Stuart Mill passa a ser qualitativa. Deste modo, há prazeres que são superiores e outros qualitativamente inferiores. Neste tocante, entende como superiores os prazeres vinculados à arte, à filosofia e ao aprendizado, já os inferiores encontram-se vinculados somente à parte física.
Em sua obra “Sobre a liberdade”, 1859, Stuart Mil defende que as pessoas possam agir e expressar livremente suas ideias, não devendo o Estado se intrometer nestas questões de índole pessoal. Caberia a intervenção do Estado e da sociedade somente quando o indivíduo pudesse por meio de seus atos e falas, ocasionar danos a terceiros. A livre expressão dos indivíduos teria como consequência a melhora da sociedade como um todo. Apresenta uma forte ênfase na defesa política da liberdade individual, o que considera como sendo importantíssimo para se atingir o progresso social e pessoal. Também introduz o princípio do dano, pelo qual a única justificativa válida para o Estado ou a sociedade intervir na liberdade individual é a prevenção de danos a outras pessoas. Entende que a liberdade de expressão é fundamental para a busca da verdade. Neste tocante, mesmo que as opiniões sejam falsas, estas possuem valor, pois, quando são contestadas e postas a prova, permitem reforçar o entendimento sobre as ideias que sejam realmente verdadeiras. Há três bases para se defender a liberdade de expressão, não importa o que seja dito: 1- falibilidade humana, 2- incompletude do conhecimento, 3- evitar o dogma.
Stuart Mill defendeu o “princípio do dano” (The harm principle), segundo o qual a nossa liberdade individual é ampla e irrestrita, não podendo a sociedade ou o Estado nela intervir a não ser para evitar o dano provocado a outros. A ética e moral desenvolvida no Utilitarismo é consequencialista, pois, visualiza sempre as consequências de suas ações.
No tocante à democracia, apresenta um receio quanto ao governo da maioria. Entende que cabe à sociedade atuar em defesa dos direitos individuais, evitando a tirania da maioria, ou seja, o real risco que corremos de que a opinião emitida pela maioria possa sufocar a opinião da minoria. Aqui estamos diante da sutil relação entre sociedade e indivíduo, que deve ocorrer de modo a permitir ao máximo as liberdades individuais sem prejudicar o coletivo. Suas ideias neste tocante tiveram impacto contemporâneo sobre os direitos civis, a construção da democracia e a discussão sobre os limites do poder governamental, além de influenciar constituições e legislações em todo o mundo, ao se apresentar como uma defesa da tolerância e do pluralismo.
Tanto James Mill, seu pai, como Stuart Mill, defendem uma democracia representativa e o sufrágio universal, mas ambos têm receio de que na medida em que falta informação e educação a maioria das pessoas do povo, fosse formado um “governo da ignorância”. Para evitar a ocorrência disto, seu pai, James Mill, se limita a defender que todas as pessoas sejam devidamente educadas, pondo, portanto, sua ênfase na educação. Já Stuart Mill vai mais longe na tentativa de uma solução para este dilema e propõe um critério meritocrático, no qual, mesmo o voto sendo universal e plural, aqueles com maior nível de educação ou competências intelectuais comprovadas teriam votos com peso maior.
No tocante a igualdade de gênero, foi um fervoroso defensor dos direitos das mulheres. Ele entendia que a subjugação das mulheres se apresentava como uma grande injustiça social. Neste tocante, defendia: igualdade legal e social entre homens e mulheres, direito de as mulheres terem acesso a educação e ao trabalho remunerado (quando as mulheres trabalhavam o salário era pago/entregue ao marido), sufrágio feminino. Estas ideias e sua enfática defesa vieram a tornar Stuart Mill um pioneiro no movimento feminista.
No tocante à religião, apresentou uma postura filosófica crítica quanto à religião organizada, apesar de reconhecer o valor moral de algumas ideias religiosas. Em sua concepção filosófica, os princípios éticos podem ser desenvolvidos sem necessidade da adoção de alguma religião, defendendo, portanto, uma moral secular.
Stuart Mill desenvolve uma lógica baseada na indução e uma metafísica fenomenista. Entende que o “princípio de não contradição” não é apriorístico, uma lei do pensamento obtida por meio de uma intuição imediata. Para ele, o “princípio de não contradição” é uma generalização obtida por meio de sucessivas experiências. Pode-se chegar ao mesmo a partir de uma das primeiras experiências que pode ser observada em nós mesmos, que é “a crença e a não crença”, dois estados particulares de espírito que se excluem simultaneamente, pois, ou eu acredito, ou eu não acredito em algo. Não é possível afirmar e negar ao mesmo tempo a mesma coisa. Esta observação tende a ir se expandindo para outras, generalizando-se, como tal é o caso dos pares antagônicos: luz e escuridão; ruído e silêncio; igual e desigual; e outros mais. Stuart Mill defende uma lógica indutiva, e não dedutiva. Trata-se de uma lógica que se baseia na generalização da experiência. Em apoio a sua lógica indutiva, Mill defende o princípio da uniformidade da natureza, ou seja, que as coisas observadas hoje, ontem e sempre, tenderão a continuar se manifestando da forma como foram anteriormente observadas.
Stuart Mill também apresentou contribuições à lógica e à epistemologia. Apresenta uma visão bem mais ampla da lógica, dando destaque ao método indutivo. Neste tocante elaborou em seu método a relação das ferramentas necessárias para identificar relações causais em experimentos e observações, a saber: concordância, diferença, resíduos, variações concomitantes.
Stuart Mill nos apresenta quatro métodos de descoberta e prova: concordância (agreement); diferença (difference); resíduos (residues); variações concomitantes (concomitant variations). No primeiro, “concordância”, temos que se dois ou mais fatos observados possuem em comum uma única circunstância, esta pela qual todos os fatos concordam, é a causa ou o efeito do fenômeno em estudo. No segundo, “diferença”, quando diante de uma situação onde observamos o fenômeno e de outra situação em que este não é observado, a parte em que os dois se diferenciam está associada a causa ou ao efeito. No terceiro, “resíduos”, retiramos do fenômeno observado tudo que sabemos de antemão, por meio da indução, ser decorrente (efeito) de outros antecedentes, sendo o que sobra, os resíduos, decorrente do efeito proporcionado por outros antecedentes. No quarto, “concomitantes”, temos que quando observamos dois ou mais fenômenos ocorrerem e sofrerem variações em conjunto, um é a causa e o outro o efeito, ou, caso contrário, estão vinculados um ao outro por meio de alguma causa outra.
Na epistemologia defendeu o empirismo, no qual a tese básica é que todo o conhecimento provém da nossa experiência sensorial. Deste modo, se opõe ao Racionalismo e enfatiza a necessidade do método experimental na ciência. Suas ideias hão de contribuir para consolidar as bases da metodologia científica, influenciaram o positivismo lógico e o desenvolvimento das ciências sociais.
Para Stuart Mill o progresso depende da educação, por tal motivo defendia que fossem criadas instituições de ensino que promovam a racionalidade e a autonomia individual, desenvolvendo o pensamento crítico e a liberdade individual.
Stuart Mill foi um defensor de várias bandeiras em prol do desenvolvimento humano e das liberdades individuais. Buscou em sua obra encontrar um equilíbrio entre a liberdade individual, a justiça social e a responsabilidade coletiva. Seu pensamento se fez presente nas questões vinculadas à ética, à política, à economia e aos direitos humanos, estando ainda hoje presente quando a discussão envolver o desenvolvimento de uma sociedade que seja mais justa, livre e harmoniosa, dentro do equilíbrio necessário entre as liberdades individuais e a convivência na coletividade.
PRINCIPAIS OBRAS
1- Sistema de Lógica. Título original: A System of Logic, Ratiocinative and Inductive (2 volumes). Data da primeira publicação: 1843
Nesta obra o autor desenvolve uma abordagem sistemática para ser empregada na lógica, abordando tanto os métodos dedutivos, como também indutivos. Temos uma ênfase na observação empírica e na experimentação para a construção do conhecimento. Busca apresentar o “método dos métodos” para ser usado na investigação científica.
2- Ensaios sobre Algumas Questões Não Resolvidas da Economia Política. Título original: Essays on Some Unsettled Questions of Political Economy. Data da primeira publicação: 1844.
Conjunto de ensaios que tratam de questões vinculadas à economia política, tais como: valor, distribuição de riquezas, natureza do capital, princípios que regulam a produção e a troca de mercadorias.
3- Princípios de Economia Política. Título original: Principles of Political Economy. Data da primeira publicação: 1848.
Nesta obra temos um resumo sobre a economia clássica: distribuição de renda, papel do governo na economia, condições para o progresso econômico. Também temos reflexões sobre a justiça social e o bem-estar.
4- Sobre a liberdade. Título original: On Liberty. Data da primeira publicação: 1859.
Uma das mais famosas obras de Mill. Temos uma discussão sobre os limites da autoridade do Estado e da sociedade sobre o indivíduo. Mill defende a liberdade de pensamento, expressão e ação, enquanto essenciais para ao progresso humano, desde que não atuem de modo a prejudicar a outras pessoas.
5- Considerações sobre o Governo Representativo. Título original: Considerations on Representative Government. Data da primeira publicação: 1861.
Análise sobre os méritos e limitações do governo representativo. Mill propõe algumas ideias visando melhorar a democracia, tais como: voto proporcional, educação política para os cidadãos.
6- Utilitarismo. Título original: Utilitarianism. Data da primeira publicação: 1863.
Mill desenvolve o que seja o Utilitarismo, dando destaque à felicidade, enquanto sendo o maior objetivo moral. Nesta obra diferencia prazeres superiores (intelectuais) de inferiores (sensoriais), argumentando que não somente a quantidade, mas em particular a qualidade, deva ser considerada no cálculo dos prazeres. Anteriormente Jeremy Bentham havia proposto um cálculo para a felicidade, o cálculo hedônico, baseado nos aspectos quantitativos, agora Mill argumenta que se deva considerar os aspectos qualitativos neste cálculo.
7- A sujeição das mulheres. Título original: The Subjection of Women. Data da primeira publicação: 1869.
Nesta obra defende a igualdade entre homens e mulheres na vida pública e privada. Discorre de modo a criticar a opressão das mulheres, o que entende ser uma injustiça histórica, defendendo a emancipação da mulher como sendo uma condição necessária para o progresso humano.
8- Autobiografia. Título original: Autobiography. Data da primeira publicação: 1873 (póstuma).
Uma narrativa sobre como transcorreu a sua vida, falando sobre a educação rigorosa que recebera do pai, seus desafios intelectuais e emocionais, sua evolução enquanto pensador reformista. Uma reflexão sobre seu legado intelectual e moral.
9- Três Ensaios sobre Religião. Título original: Three Essays on Religion. Data da primeira publicação: 1874 (póstuma).
Ensaios sobre religião nos quais examina a religião natural e revelada, bem como, a questão sobre a imortalidade. Se mantém dentro de uma perspectiva crítica e racionalista, abordando o papel desempenhado pela religião na moralidade e na vida humana em sociedade.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
(Respeite os Direitos Autorais – Respeite a autoria do texto – Todo autor tem o direito de ter seu nome citado junto aos textos de sua autoria)
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