Por: Silvério da Costa Oliveira.
Augusto Comte
Isidore Auguste Marie François Xavier Comte
O Amor por princípio, a Ordem por base, o Progresso por fim.
Augusto Comte (1798-1857) nasce em Montpellier, França e falece aos 59 anos de idade em Paris, França, sendo proveniente de uma tradicional família católica e monarquista francesa. Estudou na Escola Politécnica em Paris, tendo nela ingressado aos 16 anos de idade, em 1814, e lá ficado até 1816, quando do fechamento temporário desta por questões políticas relacionadas a mudanças no governo. Comte não chegou a se formar formalmente em nenhuma instituição de ensino superior. Escrevia em jornais e dava aulas particulares no início de sua carreira, vindo a trabalhar, de 1817 a 1824, como secretário do Conde Henri de Saint Simon, um filósofo que se intitulava socialista. Em 1826 precisou ser internado em um hospital psiquiátrico em virtude de um colapso mental. Em 1825 casou-se com Carolina Massin (1802-1877), com quem fica até 1842 (Foram 17 anos de casamento). A informação apresentada por alguns comentadores de que este teria enlouquecido ao final de sua vida não tem base sólida de sustentação e se originou do processo judicial movido pela ex-esposa quando de sua morte, contestando o testamento e querendo para si a incumbência de cuidar dos bens deixados pelo falecido Comte, provavelmente com a intenção de alterar e destruir parte de sua correspondência, na qual ela e Clotilde de Vaux eram citadas.
Importante em sua vida e no posterior desenvolvimento de sua obra é o encontro com Clotilde de Vaux, que irá lhe inspirar a criação da “religião da humanidade”, é a sua musa e a inspiração para suas ideias sobre a religião da humanidade. Em 1845 conhece Clotilde de Vaux (1815-1846), por quem se apaixonou, mas esta vem a falecer no ano seguinte, em 1846. Após sua morte irá idealiza-la dentro do contexto de uma religião da humanidade, orientação religiosa que irá marcar a segunda fase de sua obra.
Comte se dedicou a escrever, proferir palestras e desenvolver suas ideias sobre o Positivismo nas ciências, a criação da sociologia e da religião da humanidade, mas não obteve rendimentos financeiros suficientes para se manter, vindo a passar por condições financeiras difíceis que lhe fez depender da ajuda com doações, de seus seguidores e amigos, dentre estes, alguns ingleses, como, John Stuart Mill.
A primeira fase de sua filosofia tem como obra maior os seis volumes do “Cours de philosophie positive” (Paris, 1830, 1833, 1835, 1838, 1839, 1842) e a segunda fase, com foco na religião da humanidade, tem sua obra maior em “Système de politique positive” ou “Traité de sociologie instituant la religion de l’humanité” (4 volumes, Paris, 1851-1854). Em termos do desenvolvimento de seu pensamento filosófico, podemos ver duas fases, na primeira busca transformar a ciência em filosofia e na segunda, a filosofia em religião. O misticismo que estava ausente na primeira fase de seu pensamento, retorna com força nesta segunda fase.
Comte entendia ser necessário a criação de uma ciência para estudar a sociedade e propor alternativas de governo não revolucionárias, daí a criação da sociologia, ciência que se propunha a usar os métodos presentes nas ciências naturais para o estudo social. Comte entendia que para se alcançar o progresso social é necessário amor e ordem, sendo que a ciência pode ter uma atuação significativa nesta empreitada. É preciso entender que o século XIX, no qual viveu Comte, e em particular na cidade de Paris, França, temos uma contínua instabilidade política revolucionária e conturbações sociais. No final do século XVIII tivemos a Revolução Francesa, depois o Império de Napoleão, a Restauração e sucessivos movimentos revolucionários que conturbavam a sociedade, já marcada pela revolução industrial e o êxodo do campo para as cidades, que criava uma enorme mão de obra ociosa e aumentava a violência urbana.
Comte nomeou sua filosofia de “Positiva”, somente posteriormente a ele é que seus seguidores passaram a chamar de “Positivismo”, havendo algumas diferenças entre ambas. O termo “positivo” presente no nome desta filosofia vem a priorizar justamente a filosofia da história resumida na “lei dos três estados”: teológico, metafísico e positivo. Tais formas ultrapassam o modo de entendermos o conhecimento, sendo atitudes que a humanidade como um todo assume diante de cada período histórico. Comte empregou o termo "positiva" para destacar um método de pensamento que se baseia em fatos empíricos e na observação científica, fundamentado na evidência concreta e verificável, em contraste com explicações metafísicas ou teológicas. No lugar da pergunta “por que”, adota-se a pergunta “como” algo acontece em nossa realidade, deste modo, o estudo passa a ser focado nas relações que ocorrem entre os diversos fenômenos observados, buscando as leis que os governam. A expressão “positiva” também tem a intenção de priorizar a realidade e a utilidade, para onde o conhecimento deveria ser orientado visando o benefício de toda a sociedade. Além, portanto, de se preocupar com aquilo que possa ser observável, cabe destacar o que possa ser aplicado para o desenvolvimento do progresso da humanidade, melhorando suas condições sociais.
A finalidade de Comte é obter uma reforma da sociedade e esta deve se dar obrigatoriamente a par com uma reforma do saber e do método usado. O desenvolvimento intelectual é justamente o que irá caracterizar uma dada sociedade em determinado momento histórico. O sistema desenvolvido por Comte abarca três fatores básicos: filosofia da história; fundamentação e classificação das ciências; sociologia. Há um processo aqui, no qual, após determinar a estrutura básica da sociedade, pode-se passar para a reforma desta sociedade e por fim, para o desenvolvimento de uma religião da humanidade.
A lei dos três estados proposta por Comte no “Curso de filosofia positiva”, implica que todo o conhecimento passa sucessivamente por três estágios em sua evolução: 1- o estágio teológico ou fictício, 2- o estágio metafísico ou abstrato, 3- o estágio científico ou positivo. Todos os ramos do saber humanos passam sucessivamente por estes três estágios teóricos diferentes. A história da humanidade e cada ciência ou humano no seu particular, passou pelo desenvolvimento destes três estágios. No caso do humano, estes correspondem a sua infância, adolescência e vida adulta. Esta lei dos três estados está presente em todo desenvolvimento científico, cultural e social, podendo ser considerado o dogma fundamental do positivismo. Todas as civilizações e culturas se desenvolvem de acordo com esta lei dos três estados / estágios.
Há um motivo real para a escolha feita por Conte do uso da expressão “estado” e não “estágio”. Apesar de aparentemente parecer tratarem da mesma coisa, há uma diferença, na medida em que “estados” passa a ideia de algo mais estável e demorado no tempo, enquanto que “estágios” tenderia a passar a ideia de algo mais provisório. Ao falar em “estados, Comte entende fases amplas e distintas do desenvolvimento intelectual e histórico da humanidade, trata-se do modo de pensar e agir que se apresenta como dominante e que vem a caracterizar toda esta época histórica. Trata-se de um padrão, muito semelhante a descrição de padrões presentes nas ciências no tocante a elaboração de leis sobre como os fenômenos naturais se comportam. No lugar de algo meramente passageiro, cada “estado” se apresenta como sendo uma fase que venha a definir a forma como as pessoas compreendem o mundo ao seu redor. São grandes períodos históricos com determinada forma característica de pensar e entender o mundo. A substituição de um “estado” se dá por outro mais avançado, proporcionando constante desenvolvimento e progresso, seja das ciências, do conhecimento, da sociedade.
No estado teológico temos o predomínio da fantasia que busca explicar os fenômenos da natureza por meio de seres fabulosos e sobrenaturais. Neste estado há de imperar a autoridade absoluta, o militarismo e o sacerdócio. Aqui se fazem presentes explicações sobrenaturais com o uso de seres todo poderosos, como no caso de deuses e criaturas mitológicas. No estado teológico a explicação dos fenômenos se dá por meio da crença na existência de entidades sobrenaturais, sejam estas divinas ou demoníacas. Este estágio se divide em três, a saber: fetichismo, politeísmo e monoteísmo.
No estado metafísico predomina a razão, mas os fatos naturais são explicados por meio de forças ocultas e ainda misteriosas. Aqui temos os nacionalismos e a ideia da soberania do povo. Neste estado predominam os conceitos abstratos e filosóficos, sendo uma transição entre o estado teológico e o positivo.
No estado positivo há uma renúncia a toda investigação sobre essências e entidades metafísicas. Aqui se limita o estudo das relações de semelhança e sucessão entre os diversos fenômenos. O pensamento se volta para a observação empírica e a ciência, adotando-se o método científico na busca do conhecimento, este, por sua vez, baseado em fatos observáveis e verificáveis.
Em Comte encontramos uma hierarquia das ciências, na qual, cada nova ciência depende da anterior e por sua vez, é a base para a formação da próxima ciência. Comte nos fala em seis ciências fundamentais, na ordem da mais simples para a mais complexa: 1- as matemáticas, 2- a astronomia, 3- a física, 4- a química, 5- a biologia, 6- a sociologia. Por sua vez, esta última e principal ciência, a sociologia, tem uma outra ainda, que nela se desenvolve e ganha primazia sobre todas as demais, que é a moral. A matemática é a base de todas as ciências, a verdadeira linguagem das ciências, estando, portanto, presente em todas. Na sequencia temos os estudos dos corpos celestes feito pela astronomia. As propriedades e fenômenos da matéria são estudados pela física. Já a química trabalha com a composição e transformação das substâncias. Os seres vivos em toda a sua complexidade são estudados pela biologia. E por fim, a sociologia se apresenta como sendo a ciência mais complexa e importante de todas até aqui listadas, já que seu objeto de estudo é a própria sociedade humana. A sociologia é para Comte a “rainha das ciências”, importantíssima para a organização e compreensão das relações humanas.
A ciência da sociologia foi criada por Comte, já que foi ele quem primeiro usou o termo e apresentou um método científico para o estudo da sociedade. Comte dividiu a sociologia em estática social e dinâmica social. A estática social tem como objeto de estudo a ordem social e as estruturas que proporcionam a coesão da sociedade. As estruturas estudadas pela estática social são: a família; o sistema de governo; as normas e valores sociais; a divisão do trabalho; a religião. Já a dinâmica social estuda o progresso e as mudanças sociais, tendo como meta a compreensão da evolução social no transcurso do tempo. A dinâmica social se atém ao estudo dos seguintes temas: revoluções e movimentos sociais; inovações tecnológicas; progresso científico; mudanças econômicas; urbanização e crescimento populacional.
A estática social busca compreender a manutenção da coesão e estabilidade social por meio de estruturas e instituições. Já a dinâmica social busca compreender como ocorre a mudança e o progresso estudando os processos e fatores responsáveis. A título de exemplo, a estática social pode estudar como a educação atua na transmissão de normas e valores sociais, já a dinâmica social pode estudar como a mesma educação pode atuar proporcionando evolução destes valores e normas sociais por meio de mudanças adotadas nos métodos correntes em educação. A estática estuda os elementos que proporcionam a ordem, e a dinâmica os elementos que proporcionam o progresso, que direciona para novas formas de organização.
Após propor suas seis ciências básicas, no ano de 1852 acrescenta uma sétima, a moral, tendo esta como campo de pesquisa a constituição psicológica e as interações sociais do indivíduo. A moral se apresenta como a ciência que estuda as relações humanas, orientada para o comportamento e a ética social, tema presente nos últimos escritos de Comte, onde a religião da humanidade já se faz presente. Portanto, são sete as ciências básicas propostas por Comte, tendo em vista a sua obra como um todo e em particular seus últimos escritos.
O conhecimento oriundo da ciência, segundo Comte, há de buscar saber para assim poder prever e deste modo poder prover, ou seja, ter um conhecimento real e confiável sobre a realidade circundante nos permite não somente saber algo, mas também saber o que acontecerá a seguir, dados os fatos. O pensamento científico é, segundo Comte, caracterizado pela previsibilidade de acontecimentos futuros. As diversas ciências não devem buscar as causas dos fatos, o que ainda as deixaria vinculadas à especulação metafísica, e sim as leis que regulam e regem estes mesmos fatos, proporcionando deste modo a capacidade de previsão de novas ocorrências.
Muito importante é a ideia de Comte no tocante à criação de uma religião da humanidade, adotando uma estrutura semelhante a já existente na Igreja Católica, mas substituindo os santos desta pela homenagem a cientistas ilustres, bem como, substituindo a ideia de um deus transcendental por um ser supremo representado na própria humanidade. Comte pensava que era necessário haver um sistema de crenças e valores que viesse a substituir a religião tradicional, visando a unificação das pessoas por meio de princípios morais válidos para todos. A criação desta “religião secular” visa a promover o altruísmo, palavra esta criada por Conte. O altruísmo se dá diante da solidariedade e do amor ao próximo. Entende Comte ser possível a ciência propiciar as bases nas quais se sustentaria a ética e a moral presente nesta religião. A construção dos símbolos e da liturgia, inspirados na Igreja Católica Apostólica Romana e criados para esta nova religião, visam poder dar destaque a importância da coletividade e do bem estar social.
No tocante ao altruísmo, cabe acrescentar que com o desenvolvimento social o egoísmo será substituído pelo altruísmo e a norma suprema da moral se consolidará como sendo “viver para outro”.
Em Comte a ordem e o progresso ganham grande destaque e importância. No Brasil, sob influência positivista quando da proclamação da República (15 de novembro de 1889), o lema constante na bandeira nacional, “ordem e progresso” traz a inspiração nos anseios presentes neste conjunto doutrinário filosófico. Comte entendia que para que ocorresse o progresso em uma sociedade era necessário haver ordem e que a ordem e o progresso atuavam de modo interdependentes. A ordem proporciona a estabilidade, já o progresso atua dando ímpeto e direcionando o desenvolvimento humano e social. A sociedade é entendida como sendo um organismo que evolui e se aperfeiçoa por meio da ampliação do conhecimento nos dado pelas ciências e por meio do desenvolvimento do altruísmo.
Deve-se ter cuidado com o uso do termo “sistema” em Comte. Quando este autor faz uso deste termo ele o faz pensando em “organização metodológica” e não como mais tarde será empregado pela filosofia Estruturalista, no século XX. Confundir os dois empregos do termo gerará não somente confusão, mas erro. O uso da expressão “sistemas” em Comte faz referência a uma abordagem “sistemática e organizada”. As ciências e a filosofia são parte integrante de um todo maior, coerente e que segue uma dada hierarquia mantendo a interdependência, que vai desde as ciências mais simples e gerais (matemáticas) até as mais complexas e específicas (sociologia e moral). No Estruturalismo temos outra coisa bem diferente, nele estaremos falando de uma rede de significados e estruturas subjacentes.
Destaque para o resumo de sua teoria feita em uma frase por Comte: “O amor como princípio, a ordem como base, o progresso como fim”. Ou, também outra frase famosa: “Saber para prever, prever para prover”.
PRINCIPAIS OBRAS
1- Curso de Filosofia Positiva (6 volumes). Título original: Cours de Philosophie Positive. Data da primeira publicação: 1830-1842.
Obra fundamental do autor, na qual apresenta sua filosofia positiva, que aponta para que o conhecimento se baseie em fatos que possam ser observáveis e verificáveis. Nesta obra apresenta a sua lei dos três estados (teológico, metafísico e positivo). Também trata da organização das ciências e destaca a importância da nova ciência da sociologia dentro da sociedade.
2- Discurso sobre o Espírito Positivo. Título original: Discours sur l'Esprit Positif. Data da primeira publicação: 1844.
Análise dos princípios que compõem o Positivismo. Explicações sobrenaturais ou metafísicas são rejeitadas e busca-se no lugar entender a realidade circundante por meio de observações e experiências. O método científico deve orientar todas as áreas do conhecimento humano, fornecendo uma visão pragmática e pautada em fatos observáveis para poder resolver os problemas sociais.
3- Catecismo Positivista. Título original: Catéchisme Positiviste. Data da primeira publicação: 1852.
Nesta obra, apresentada no formato de diálogo, é detalhada a ideia da construção de uma religião da humanidade. São apresentados um conjunto de princípios éticos e morais livres de crenças religiosas, formando um código que se baseie nas ciências e na solidariedade humana. O objetivo da obra é servir de guia para os adeptos do Positivismo, no tocante à prática moral e tende a enfatizar o valor do amor e da devoção à sociedade.
4- Sistema de Política Positiva. Título original: Système de Politique Positive. Data da primeira publicação: 1851-1854.
Nesta obra é tratada a aplicação da filosofia positiva à organização social. Há a defesa da construção de uma religião da humanidade que viria a substituir as religiões tradicionais. É proposto um sistema moral e social com base no altruísmo e na coletividade. São estabelecidos princípios de governança e moralidade. O autor busca unificar a ciência com a ética, visando a criação de uma sociedade mais justa, ordenada e centrada no bem-estar coletivo.
5- Apelo aos Conservadores. Título original: Appel aux Conservateurs. Data da primeira publicação: 1855.
É defendido a tese de que a filosofia positiva pode produzir estabilidade social e ordem moral, sendo, portanto, algo do interesse dos conservadores, como uma alternativa prática às revoluções e mudanças muito bruscas. Por meio desta filosofia seria possível obter-se uma transição social pacífica com base na ciência e na ordem moral.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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