Por: Silvério da Costa Oliveira.
Falar em
religião é algo aparentemente fácil para a grande maioria das pessoas que só
enxergam a sua própria como certa e outras que ou estão erradas ou são por
demais estranhas para sequer serem chamadas com seriedade pela palavra
religião, mas será algo tão simples e fácil assim ou algo tão complexo, cuja
complexidade encubra a simplicidade de um grão de mostarda?
Por regra a religião,
seja ela qual for e independente de seu conjunto de crenças, adota para si
verdades inquestionáveis e absolutas enquanto que a ciência e a filosofia não
trabalham com verdades absolutas e sim transitórias. Aquilo que entendemos como
verdadeiro em ciência e filosofia se dá pelo uso de um método, de uma dada
metodologia, racional na filosofia, experimental na ciência, e como tal, seu
conteúdo é sujeito a questionamentos, mudanças, revisões e modificações que
proporcionem a evolução do conhecimento humano, o que não ocorre na religião
cujo passar dos séculos não envelhece suas verdades eternas, se bem que todos
os crentes de uma data época possam perecer e não serem substituídos por outros
nas gerações futuras. Há religiões que morrem por falta de adeptos, mas não por
falta de verdades incontestes.
Poderíamos
questionar se poderia haver uma religião sem a morte, pois é diante da finitude
da vida e da compreensão que um dia nós e tudo ao nosso redor terá um fim, que
torna-se imperioso uma explicação que dê sentido ao conjunto destas vivências e
uma vez atuando no mistério maior, sim, pois a morte traz sentimentos diversos
e por vezes não agradáveis de medo, perda, luto e outros, que temos também o
encontro de outros mistérios que requerem uma explicação, tais como o
nascimento e a vida. Diante da ausência de um conhecimento formal e acadêmico,
da ausência de uma metodologia científica ou filosófica, só resta ao humano
primitivo se agarrar a uma explicação que por meio da crença em dogmas
religiosos, proporcione sentido e significado a sua existência, aliás, será
também pela busca de sentido e significado diante de uma vida vazia e insípida
que muitos ainda hoje irão buscar conforto nos braços ternos das mais diversas
crenças religiosas. Judeu, muçulmano, cristão ou uma infinidade de centenas ou
talvez milhares de outras crenças convivem ou já conviveram conosco durante o
transcurso da história de nossas civilizações, todas certas e verdadeiras em
sua unicidade míope, onde as demais conjuntamente com seus adeptos incorrem em
erro mortal.
Não se trata
somente de espiritualidade ou da crença na existência de uma ou mais Divindades
sobre humanas, temos aqui presente a própria origem de nossas civilizações, o
comportamento socialmente aceito e esperado, a moral a ser adotada, a estrutura
social, o papel que cada um deve representar enquanto ator no grande palco da
vida. Mesmo hoje, muito do que entendemos por direito, ciência, filosofia,
ética, carrega em si o peso de valores culturais originados dentro de um
contexto moral derivado de um arcabouço religioso. Provavelmente não seria
possível o surgimento da filosofia no mundo grego antigo sem um ambiente
religioso onde a multiplicidade de deuses e cultos permitisse que a razão se
desenvolvesse a ponto de questionar o mundo religioso circundante.
Ter uma religião
e ser uma pessoa religiosa são coisas muito diferentes. Um cientista ou
filósofo que guie sua vida unicamente pela razão pode ter uma atitude religiosa
diante da vida. Não devemos confundir a fé ou crença individual com a religião
pública e socialmente organizada. A pessoa pode ter a sua fé e seu conjunto
particular de crenças, mas isto compete unicamente a ela e não se iguala à
religião, seja qual for, enquanto instituição social.
Seria uma ilusão
acreditar que mesmo uma pesquisa histórica, um tratado filosófico, uma teoria
científica ou mesmo a escolha do tema deste artigo e sua abordagem metodológica
pudesse ocorrer isolados do contexto sócio cultural no qual estão inseridos e
do qual aspectos religiosos estão inexoravelmente presentes. Mesmo o ateu, na
sua necessidade de negar a deus, faz presente sua existência e de todo um
conjunto de crenças religiosas dadas naquele momento histórico. Usando de uma
metáfora, reconhecer que nado na água não faz de mim água ou peixe e também não
nega a água que faz parte de meu próprio corpo, mesmo eu não sendo água.
A religião é
pública e institucionalizada e deste modo em muito se afasta do sentimento
religioso das pessoas do povo, bem como da intenção de seus fundadores históricos.
A religião enquanto instituição, esteve à frente de verdadeiros genocídios no
passado de nossa civilização, dentre outros crimes contra a dignidade humana e
neste sentido há os que sonham com uma sociedade cuja evolução social leve ao
final de toda e qualquer religião. Pode ser, no entanto, não creio que seja
algo tão simples e não prevejo um futuro, por mais longínquo que seja, na qual
alguma religião não venha a existir. As pessoas precisam dar sentido e
significado as suas vidas e muito do conteúdo presente nas diversas religiões
proporciona tal experiência. Por sua vez, o sentimento religioso não nega a
ciência, medicina ou filosofia. Podemos crescer e evoluir, mas para isto não
precisamos deixar de sonhar. Se pela religião a pessoa comete crimes contra a
individualidade, liberdade e dignidade de outros seres humanos ou de si
própria, então esta interpretação dada por ela do fenômeno religioso é algo
doentio e deveras ruim, mas se por meio de uma atitude religiosa diante da vida
a pessoa desenvolve valores positivos, sentimentos de bem-estar e felicidade,
bem como uma atitude social produtiva que não interfira com a liberdade e
dignidade sua e de outras pessoas, então pode ser algo bom. Há, portanto, e ao
meu ver, uma relatividade no tocante a religião e não um todo absoluto.
A liberdade
social democrática não justifica ou validalida que pessoas ou grupos
ridicularizem a crença de outros. Em passado recente podemos observar que mesmo
sofrendo críticas um grupo ou trupe cômica possa montar um espetáculo qualquer
visando ridicularizar a religião cristã, seus dogmas e textos sagrados, no
entanto, o mesmo grupo ou outro qualquer não faz o mesmo com religiões e
crenças religiosas provindas em sua origem da África ou da cultura indígena,
pois, atualmente isto seria politicamente incorreto. Tal trupe não ridiculariza
a religião do Islã, pois bem sabe que pode sofrer algum atentado sério, muito
sério, se brincar com o Corão ou Maomé, então temos aqui o medo, que toma o
lugar do direito defendido de poder ridicularizar uma religião qualquer, que
deixa de ser qualquer para ser uma em particular a ser atacada. Nesta busca de
liberdade artística encontramos em verdade a cegueira ideologicamente
determinada e altamente seletiva quanto ao que pode e deve ser ou não
ridicularizado com o aval, inclusive, dos próprios sacerdotes de tal culto. Não
penso que devamos brincar com tudo e todos e que o conceito de liberdade possa
ser usado para justificar ridicularizar uma dada crença religiosa qualquer,
neste caso fere-se outro princípio, que é o respeito.
Cada sociedade desenvolve
uma cultura na qual a religião faz parte de um conjunto de crenças devidamente
elaboradas e estruturadas de modo singular e no qual é pautado o comportamento
esperado das pessoas e instituições, bem como da moral, de modo a não ser mera
e casual a semelhança encontrada entre os deuses e os valores socialmente
adotados, negados ou valorizados, pelos crentes. As práticas religiosas irão,
portanto, serem tantas quantos povos socialmente distintos houver. Pelo prisma
racional, se formos honestos diante da filosofia e da ciência, somente seria
aceita a posição agnóstica que não permita aceitar de modo justificável a
comprovação da existência ou não de um ou mais deuses, bem como a veracidade de
uma ou mais crença religiosa. E claro está que os povos se movimentam no tempo
e espaço, propiciando a junção de idéias e valores, de modo que crenças e
deuses diferentes em religiões distintas possam ter seu equivalente em outra
religião. Nos primórdios de uma nova sociedade ou grupo social, a religião, por
mais simples e básica que possa ser, além de oferecer respostas para perguntas
difíceis e enigmáticas diante de nossa experiência de vida, fornece também um
modelo de comportamento aceito e incentivado para cada pessoa dentro do grupo,
disciplinando e organizando um modelo dado de convivência e trabalho.
Independente de
determinada religião ser monoteísta ou politeísta, deísta ou teísta, seu estudo
comparado pode ser útil na compreensão da civilização humana. Não penso que
devamos adotar ou descartar crenças distintas pelas mesmas não encontrarem
acolhida na metodologia científica ou filosófica, muito pelo contrário, seu
estudo se faz necessário e o entendimento em maior profundidade da mesma pode
tanto enriquecer nossa vida individual e social, como também nos precaver
contra o surgimento ou proliferação do mesmo fenômeno religioso formal sem o
invólucro de religião e sob o disfarce de alguma doutrina progressista que
visualize o paraíso na terra e a deus em um ser-humano, esteja este vivo ou
seja um personagem mumificado que um dia existiu ou alguém que inexoravelmente
será trazido pelo futuro vindouro. Penso que muito temos a temer diante de
religiões e deuses que não se assumam como tal, cujo disfarce faça que caiamos
em uma armadilha que nos conduza em total retrocesso aos gritos de progresso
social.
Independente da
veracidade ou falsidade do conteúdo em dada religião ou conjunto de crenças, ou
do simbolismo ali envolvido, ou do significado e sentido social e histórico, ou
do possível valor econômico ali presente, não podemos deixar de reconhecer o
real valor da experiência única vivenciada pelo crente em sua vida e suas
relações, atuando na plenitude de seu ser, emoções, sentimentos e cognição
diante dos fatos e problemas que se lhe apresentam. Independente de tudo o
mais, a experiência vivenciada pelo crente é real em sua vida e moldará e
direcionará os rumos da mesma.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa
Oliveira.
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