Por: Silvério da Costa Oliveira.
Apesar do uso do
termo “paciente terminal” designar alguém com um diagnóstico que implique numa
condição tal, cujo tempo de vida restante lhe seja restrito, há os
profissionais que preferirão o uso do termo para pacientes cujo prognóstico
implique em no máximo seis meses de vida, deixando o termo “paciente em fim de
vida” para aqueles cujo prognóstico de sobrevida não exceda a aproximadamente
72 horas. Aqui iremos neste artigo usar o termo paciente terminal de modo
abrangente, envolvendo ambos os grupos.
Existem várias
formas de se conviver com a morte. O paciente terminal é aquele que recebeu um
diagnóstico e um prognóstico que o coloca mais perto da iminência de sua
própria morte diante de uma doença difícil de ser revertida ou mesmo incurável.
Elisabeth
Kübler-Ross em seu trabalho sobre a morte e o paciente terminal estabelece
cinco fases pelas quais passaríamos diante da certeza da inevitabilidade da
morte: 1- negação, 2- raiva, 3- barganha ou negociação, 4- depressão, 5- aceitação.
Claro está que esta apresentação organizada não corresponde a vida real e não
necessariamente o indivíduo passará sucessivamente e nesta mesma ordem pelas
cinco fases até a aceitação conformada diante do inevitável. Há quem não passe
por todas as fases, ou quem retorne para fases anteriores e nem todos chegam na
fase de aceitação, no entanto, esta pesquisa e seus resultados nos colocaram
diante de um instrumental muito útil para entendermos este processo.
As fases de Kübler-Ross
estão presentes em toda situação de perda vivenciada por nós, humanos. Seja a
perda de nossa própria vida ou a vida de um ente querido, pode ser a perda de
uma amizade, de um emprego, a perda da possibilidade de realização de um sonho
almejado e outras coisas mais.
No passado se
morria em casa, hoje cada vez mais o local onde passamos nossos minutos finais
é o hospital. A companhia de amigos e familiares é algo importante diante do
quadro irreversível, bem como poder realizar um último desejo ou poder
organizar sua vida pessoal e profissional antes do fim, caso ainda haja tempo
para tal. Em tempos idos se pedia a deus tempo para refletir e orar antes da
morte, hoje se pede uma morte rápida a ponto de não percebermos que iremos
morrer. São mudanças culturais diante de uma sociedade cujos valores estão em
ebulição e evolução.
Existe toda uma
abordagem médica presente ao paciente, a qual se intensifica quando este está
no hospital. São procedimentos, atuação de uma equipe hospitalar, medicação,
regras. Além disto, há a possibilidade de os momentos finais trazerem dor e
sofrimento para a pessoa e as pessoas mais próximas. Quanto ao paciente, a dor
pode ser física, decorrente da evolução de sua doença e pode ser amenizada por
medicação. Claro que a medicação e as intervenções médicas não são a solução
para tudo e o desconforto ou mesmo dor pode estar presente nos momentos finais.
É preciso, portanto, que a equipe de cuidadores saiba como lidar com esta dor e
sofrimento, que pode ser física ou emocional e estar presente tanto no
paciente, como também em seus familiares e amigos.
Quando possível
for, a escuta é essencial para ajudar o paciente e seus familiares a superarem este
momento difícil e caminharem em direção a aceitação diante de um processo de
luto pela perda.
Me parece que
algo realmente essencial, sempre quando possível, é permitir ao paciente
terminal ter uma presença ativa de sua própria pessoa nos assuntos e interesses
da sua vida no tempo que lhe resta, poder ter autonomia e fazer escolhas, de
modo que possa chegar ao momento derradeiro de sua existência mantendo o que o
caracteriza como uma pessoa viva. E neste tocante devo incluir a necessidade
social que todos temos de modo que o paciente não deve ser abandonado ou
isolado. Apesar de difícil, cabe compartilhar esta perda, este luto, esta
vivência diante da porta do desconhecido por vir. O ambiente hospitalar, diante
de suas regras e esterilidade, pode tornar difícil ao paciente elaborar suas
questões pessoais e emocionais, ao tirar-lhe sua independência e autoridade
sobre si próprio. Cabe neste tocante um equilíbrio, sempre que possível. A
perda do paciente muitas vezes é vista e vivenciada pelo médico como uma
derrota, mas deve haver um momento onde possamos entender que não há mais o que
fazer, não há mais procedimentos possíveis e só nos resta caminhar para o fim
mais lento ou mais rápido e mantendo, sempre, a dignidade humana.
No tocante aos
cuidados com o paciente terminal, um ponto por demais importante é proporcionar
o máximo de conforto e o mínimo de dor e sofrimento, incluindo aqui também o
trato com a família e amigos próximos. Diante de um quadro grave e por vezes
irreversível, atentar em proporcionar o que for possível em termos de bem-estar
pode proporcionar que este momento da vida humana seja melhor vivenciado. Cabe
entender que, por regra, terminais todos nós somos, uma vez que um dia também
iremos morrer. As vezes ocorre, inclusive, que mesmo diante de um paciente cujo
diagnóstico e prognóstico aponte para uma morte em um curto espaço de tempo,
possamos ter entre os cuidadores e familiares, mesmo jovens, sem doenças e em
perfeito estado de saúde, que estes venham a morrer antes, seja por sofrerem
algum acidente ou outro motivo.
Toda história
tem um fim e a nossa não é exceção a esta regra. O fim em algum momento chega
para todos e cabe ter atenção aos pequenos gestos e as pequenas vitórias que
possam nos acompanhar neste momento, por vezes, são as pequenas coisas, os
pequenos gestos, que de fato importam e fazem a diferença. Realizar um desejo,
mesmo que o último, é algo importante e não deve ser descartado como algo fútil
ou inútil. Conversar com pessoas sobre sua morte, resolver questões pendentes
que serão deixadas após sua partida, ter um último contato com objetos ou
animais revestidos de forte investimento emocional, provar uma comida mais uma
vez, visitar um local, rever ou ver algo importante. Se for o desejo da pessoa
e sendo isto possível, ir a uma praia, parque ou montanha tem a ver com
aproveitar o momento de vida que ainda temos, tem a ver com a dignidade humana
que é diferente de sermos tratados como lixo descartável.
É normal
falarmos em tempo de vida, encarando o mesmo quantitativamente, mas esquecemos,
por vezes, que além do aspecto quantitativo, temos também de cuidar do aspecto
qualitativo. Não basta ter mais tempo de vida à custa de tudo o mais e viver
este tempo preso a uma cama com tubos, longe das pessoas que ama e das coisas
que de fato gosta. Talvez menos tempo com mais qualidade seja o melhor.
Estarmos ao lado dos que gostamos, em nossos lares, com as coisas que mais
gostamos. Deve haver um momento em que possamos pensar se vale ainda o
investimento em ganho de tempo a qualquer custo. No encerramento de uma vida
longa de uma pessoa idosa cujo diagnóstico e prognóstico nos traga a presença
muito próxima de sua morte, cabe equilibrar os aspectos quantitativo e
qualitativo em relação ao tempo restante de sua vida e ponderar sobre quais
intervenções e procedimentos de fato valem a pena serem empreendidos e irão
gerar alguma qualidade e conforto na vida restante ou somente sofrimento, dor e
desconforto, ou simplesmente a perda de um tempo precioso que poderia ser
melhor investido de outra forma. Aqui entra os cuidados com o paciente terminal
e também o procedimento adotado pelos cuidadores para que este paciente possa
ter o melhor dentre o possível. Precisamos respeitar a autonomia, bem-estar,
integridade e dignidade do paciente terminal e esta responsabilidade cabe
conjuntamente a família e amigos íntimos, a equipe de cuidadores, a equipe
hospitalar que deve atuar de modo “multi” ou “inter”-disciplinar. Lembrar que
cuidados paliativos ativos por parte de uma equipe integrada são importantes
para o paciente neste momento de sua vida e que até o último momento nós temos
a vida e não a morte, devendo o paciente ser tratado como alguém que disponha
do status de um ser vivo e não de qualquer status inferior possível.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa
Oliveira.
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