Por: Silvério da Costa Oliveira.
Schopenhauer
Arthur Schopenhauer (1788-1860) nasce em Danzig, atualmente "Gdańsk", parte da Polônia, e falece aos 72 anos de idade em Frankfurt. Filósofo alemão cuja principal obra é "O mundo como vontade e representação", 1819 (quando o filósofo contava 31 anos de idade), sendo, no entanto, que a obra que fez mais sucesso e o tornou realmente conhecido ainda em vida foi “Parerga e Paralipomena”, 1851 (quando o filósofo contava 63 anos de idade), obra esta adorada e enaltecida por seus contemporâneos e último trabalho publicado deste filósofo.
Em vida, Schopenhauer publicou um total de seis livros, a saber: 1- Sobre a Quádrupla Raiz do Princípio da Razão Suficiente (Über die vierfache Wurzel des Satzes vom zureichenden Grunde), 1813; 2- O Mundo como Vontade e Representação (Die Welt als Wille und Vorstellung), 1819; 3- Sobre a Visão e as Cores (Über das Sehen und die Farben), 1816; 4- Sobre a Liberdade da Vontade Humana (Über die Freiheit des menschlichen Willens), 1839; 5- Sobre os Fundamentos da Moral (Über die Grundlage der Moral), 1840; 6- Parerga e Paralipomena (Parerga und Paralipomena), 1851.
Seu último livro, “Parerga e Paralipomena”, foi o que lhe trouxe fama e notoriedade. Trata-se de coletânea de ensaios e aforismos sobre diversos temas que somaram cerca de 1.300 páginas quando da primeira edição (dividida em dois volumes) e, como em outras edições após a morte do autor foram acrescentados outros textos, podemos ter hoje edições com 1.600 ou mais páginas. Este livro acabou gerando inúmeros outros, pois, diversas editoras apresentaram seleções de textos organizados sob algum tema específico e publicados como novos livros com títulos diferentes, as vezes também mesclados com textos de outras de suas obras. Alguns destes títulos são: 1- A Arte de Ser Feliz; 2- A arte de insultar; 3- A arte de lidar com as mulheres; 4- A arte de ter razão; 5- A arte de escrever; 6- Aforismos sobre a sabedoria de vida; 7- Pensamentos sobre religião; 8- Estudos sobre o homem e a natureza; 9- A arte de envelhecer; 10- A arte de escutar; 11- Sobre a dor e o sofrimento; 12- Sobre a vontade humana; 13- Sobre política e sociedade.
Filho de Heinrich Floris Schopenhauer (1747-1805) e Johanna Schopenhauer (1766-1838). Seu pai era um rico comerciante e sua mãe, após a morte do pai, veio a se tornar uma escritora famosa que abria os salões de sua casa para receber pessoas ilustres de sua época nos círculos intelectuais.
A relação entre mãe e filho foi conflituosa, em particular após a morte do pai. Johanna considerava Arthur difícil e pessimista, enquanto ele a via como superficial e frívola, esta situação acabou culminando em ambos cortarem totalmente relações entre si.
Em 1793 sua família se muda de Gdańsk para Hamburgo, apesar de continuar a manter os negócios em Gdańsk. O motivo foi a anexação de Gdańsk pela Prússia neste mesmo ano e ao fato de Hamburgo possuir uma constituição republicana. Além de Schopenhauer, a família também teve Adele, nascida em julho de 1797, mesmo ano em que Schopenhauer é enviado para viver uma temporada com a família do sócio de seu pai em Le Havre. Lá permaneceu por dois anos, aprendeu a falar francês e o uso de um instrumento musical, a flauta.
No ano de 1803 escolhe acompanhar os pais em uma turnê pela Europa, passando pela Holanda, Grã-Bretanha, França, Suíça, Áustria e Prússia, em viagem de lazer e negócios. Nova viagem realizou em setembro de 1818, para Veneza, Bolonha, Florença, Nápoles e Milão. Agora viajando sozinho ou acompanhado por outros turistas. Em outras épocas de sua vida, empreendeu novas viagens pela Europa.
Seu pai era um rico comerciante e Schopenhauer estudou para também ser comerciante, tendo atuado alguns anos nesta atividade, no entanto, com a morte do pai, em 1805, veio a receber como parte de sua herança uma robusta fortuna, que este investiu e lhe proporcionou uma boa renda mensal. Sua relação com sua mãe não era boa e eles acabaram se separando, cada qual vindo a morar em cidades diferentes. Em Weimar sua mãe passou a construir uma carreira como escritora e a frequentar os círculos sociais, abrindo o salão de sua casa para receber figuras ilustres. O rompimento definitivo entre os dois ocorreu no ano de 1814.
Schopenhauer se matriculou na Universidade de Göttingen em 1809, inicialmente para estudar medicina, mas depois trocou o curso por filosofia, em 1810, na mesma Universidade de Göttingen. Em 1811 passa a estudar na Universidade de Berlim e esteve presente nos cursos ministrados por Schleiermacher e Fichte nesta Universidade. Em 1813 obteve o grau de Doutor pela universidade de Jena, com a apresentação da tese: “Sobre a Quádrupla Raiz do Princípio de Razão Suficiente” (Über die vierfache Wurzel des Satzes vom zureichenden Grunde). Estando morando em Berlim desde o ano de 1811 com o objetivo de estudar na Universidade de Berlim, no ano de 1813 Schopenhauer deixou Berlim e se dirigiu a Weimar, temendo a instabilidade gerada pelas Guerras Napoleônicas e buscando um refúgio mais seguro para continuar seus estudos filosóficos, já que temia que a cidade fosse invadida e não queria participar da guerra então em curso. Fica um mês nesta cidade, mas se desentendendo com a mãe, vai para Rudolstadt.
Ele obteve o título de Privatdozent (professor particular) na Universidade de Berlim. Por duas vezes tentou atuar como professor na Universidade de Berlim, mas lá ficou por pouco tempo. Sua permanência em Berlim durante a primeira tentativa (1820–1821) e a segunda tentativa (1825–1831), foram breves, sendo um pouco mais demorado na segunda.
Em 1820 fez sua primeira tentativa como professor na Universidade de Berlim, mas marcou suas aulas no mesmo horário das ministradas por Hegel, na época filósofo famoso e com classes que obtinham adesão de cerca de 200 alunos, contra os cerca de 4 que se matricularam nas aulas de Shopenhauer, o que encerrou esta primeira tentativa no ano de 1821.
Houve uma segunda tentativa para lecionar em Berlim, mas esta segunda tentativa também não conseguiu atrair alunos para sua classe. Ele deixa Berlim em direção a Frankfurt quando a cidade enfrentou uma epidemia de cólera, mesma epidemia que matou Hegel.
Sua principal obra, tal como é considerada hoje em dia pelos estudiosos e comentadores, é “O mundo como vontade e representação”, 1819, mas esta passou despercebida pelo mundo acadêmico de sua época e pelas demais pessoas do povo, de modo que, a primeira edição encalhou e após alguns anos suas páginas foram usadas como papel de embrulho, tendo sido descartadas pela editora.
É um erro afirmar que Schopenhauer foi aos poucos obtendo reconhecimento e se tornando conhecido, não foi assim que de fato ocorreu. Nosso filósofo se manteve isolado e no total desconhecimento, mesmo após duas tentativas de lecionar na Universidade de Berlim, ambas fracassadas por falta de alunos matriculados em sua disciplina. Na verdade, seu reconhecimento e sucesso veio de modo inesperado e abrupto. Foi algo deveras rápido e começou por parte das pessoas comuns do povo, vindo na sequência a adesão do mundo acadêmico. Isto ocorreu após a publicação de “Parerga e Paralipomena”, 1851, sua obra de grande sucesso, tornando Schopenhauer uma celebridade cujas pessoas viajavam para conhecer.
A filosofia de Schopenhauer busca sua inspiração e fundamentação nos filósofos Platão e Kant, bem como, nas religiões orientais, tais como o Budismo, e a ideia de ser o mundo ilusão, maya. O Budismo e o pensamento indiano se mostram presentes, bem como, a influência dos Upanishads (textos sagrados Indus).
Seu trabalho se relaciona com o pensamento religioso oriental, em particular o hinduísmo e budismo. Neste filósofo temos paralelos entre conceitos presentes em sua filosofia e no pensamento oriental, tais como: a ideia de “vontade” e “desejo” quando comparados com ‘trishna” (sede – dizendo respeito a insaciabilidade dos desejos humanos como sendo o principal motivo do sofrimento) no budismo e o "Brahman" (absoluto) no hinduísmo. Também sua ideia de superar a “vontade” encontra acolhida na ideia de nirvana, enquanto ideal de renúncia e libertação.
Segundo seu pensamento, existem quatro princípios da causalidade que determinam como se pode conhecer o mundo circundante: devir, conhecer, ser, agir. O devir se apresenta como sendo a causalidade presente na natureza e é expressa pela física. O conhecer se mostra como sendo uma relação entre premissas que direciona para conclusões, expressa pela lógica. O ser se apresenta como sendo a relação entre o espaço e o tempo, expressa pela matemática. O agir se apresenta como sendo a relação entre a motivação e a ação, expressa pela moral. Por meio destas quatro formas se estruturam as nossas representações.
Entende a “representação” como sendo o mundo que se apresenta a nós, na sua total aparência, algo inconsistente, enganoso e ilusoriamente múltiplo. Só o que existe é a vontade, única e absoluta realidade, que se encontra por baixo das aparências. Podemos encontrar a “vontade” por meio de uma experiência interior, na qual nos interrogamos sobre o que seja o absoluto diante das aparências. Trata-se de uma intuição da própria vontade do sujeito que se interroga a si mesmo. Neste momento o corpo se revela como expressão desta mesma vontade. A “vontade” é única e absoluta, enquanto que a “representação” nos mostra o mundo fenomênico enquanto multiplicidade.
É considerado um filósofo pessimista, individualista, ateu e crítico da sociedade. A morte, segundo o pensamento de Schopenhauer se mostra como sendo o maior de todos os temores existenciais, trata-se aqui da ideia de finitude, ideia esta que aterroriza o humano. Segundo seu pensamento, o amor se mostra como sendo uma vontade irracional para reproduzir e, deste modo, permitir a continuação da espécie, da vida, do sofrimento. O impulso para a reprodução é tão forte quanto o medo da morte, fazendo com que em algumas situações as pessoas arrisquem suas vidas para atender a este impulso. Entende que este amor provoca uma breve sensação de felicidade, que interrompe o “querer”, sendo, portanto, uma fuga da dor imposta pela vontade. O sofrimento se mostra como algo constante, positivo, já a felicidade como algo momentâneo, negativo. A felicidade é entendida como sendo a interrupção da dor, e do sofrimento, bem como do tédio, por um breve lapso de tempo, sendo na verdade esta constância da dor, sofrimento e tédio algo permanente em nossas existências humanas. A meta do viver se encontra em viver com o menor sofrimento possível.
A vida humana é governada pela “vontade”, a qual para sobreviver e se perpetuar faz uso do desejo sexual, gerando a procriação e a permanência da espécie. A busca incessante propiciada pelo desejo tende a levar ao sofrimento, já que nada há de satisfazer a este desejo. Segundo o pensamento de Schopenhauer a vontade está presente em tudo, não somente no ser humano. Somente renunciando a todos os desejos em busca de um estado de nirvana é que se pode tentar libertar da força desta vontade. É neste ponto em que o filósofo há de buscar inspiração nos escritos religiosos indianos, como também no cristianismo em suas origens.
A filosofia de Schopenhauer parte inicialmente da distinção entre coisa em si (noumenon) e fenômeno, dada por Kant em sua filosofia. Kant também nos fala sobre as formas a priori de nossa sensibilidade, o espaço e o tempo, e das categorias do entendimento (no total de 12 na obra de Kant), o que leva Schopenhauer a concluir no desenvolvimento de sua própria filosofia que o mundo não passa de representações. Estas representações são inicialmente entendidas como uma síntese entre o subjetivo e o objetivo, entre a realidade exterior e a consciência humana. Em vários pontos a filosofia construída por Schopenhauer encontra seus fundamentos e inspiração na filosofia de Kant, mas estes se afastam explicitamente no tocante à coisa em si, inacessível ao conhecimento cognitivo para Kant, no entanto, igualada à “vontade” segundo Schopenhauer. Há uma vontade única em toda a natureza, essencialmente metafísica. Tanto em humanos como no restante da natureza, a “vontade” é o princípio fundamental. Claro que esta aproximação da coisa em si com a vontade presente não somente em humanos, mas em toda a natureza, possui algo de metafórico e Schopenhauer não cai no erro de entender ser a vontade idêntica à coisa em si, mas somente algo de semelhante.
Com base na leitura da “Crítica da razão pura”, de Kant, Schopenhauer faz uso da distinção entre fenômeno e noumenon (ou coisa em si) para explicar o mundo ao nosso redor. O mundo pode ser compreendido por meio de duas verdades complementares, uma gnosiológica e outra metafísica. Pelo olhar gnosiológico o mundo que nos cerca é sempre “representação”. Já pelo olhar metafísico o mundo é sempre “vontade”. A “vontade” se espelha no mundo objetivando-se em inúmeros graus na natureza, sendo o humano o mais perfeito, pois, é no humano que a vontade toma consciência de si, descobrindo-se como origem sem fim de desejos e raiz do todos os conflitos e sofrimento. De Kant aproveitou a divisão entre fenômeno e noumenon, bem como, a causalidade enquanto categoria a priori do entendimento. Kant apresenta uma tabela composta por 12 categorias, das quais Schopenhauer somente faz uso da causalidade (causa e efeito).
Há uma diferença entre o modo como Kant entende a relação noumenon e fenômeno com o modo como Schopenhauer o faz. Primeiramente Kant entende o noumenon como completamente incognoscível, enquanto Schopenhauer o iguala a vontade e pensa que podemos conhecê-lo por intuição a partir de nossa própria vontade expressa em nosso corpo e intelecto. Em segundo lugar, Kant entende que o fenômeno é idêntico a toda espécie, pois todos percebemos do mesmo modo ao noumenon ou coisa em si. Não há em Kant uma distorção da realidade, mas o há em Schopenhauer, que nos fala no véu de Maya, que nos ilude com sua magia, nos fazendo crer ser algo outro aquilo que percebemos em nossas vidas.
Hegel via o mundo como algo racional, que se desenvolvia racionalmente na história, já este nosso filósofo o vê como algo puramente irracional. A essência do mundo é irracional, não segue o princípio da razão, sendo movido pela vontade. A essência da realidade é a vontade. Devido a estar presente nos humanos, mas também nos demais animais e mesmo em seres inanimados, como uma pedra, por exemplo, a vontade em Schopenhauer acaba por se afastar do conceito que temos de consciência, aproximando-se de algo a semelhança de um impulso para a vida ou um tipo de poder. Em Schopenhauer a palavra “vontade” designa força, poder, impulso, energia e desejo. Aqui o termo “vontade” faz referência a algo infinito, uno, indizível, e não a uma vontade finita, individual, ciente. A “vontade” se mostra presente não apenas no humano, mas em tudo na natureza. A “vontade” se apresenta como sendo eterna e imutável, está fora do tempo e do espaço e não tem fundamento, sendo a “vontade” o fundamento de tudo que há. A “vontade” é a essência da subjetividade, aquilo que forma a pura essência de cada coisa, que não pode ser conhecida por nossos sentidos, não possui um fundamento ou origem, sendo imanente. É sua própria causa, sua razão se encontra em si mesma.
Schopenhauer entende que o mundo que nos circunda é formado por “representação” (Vorstellung) e “vontade” (Wille). Esta tese foi defendida em sua obra magna, “O mundo como vontade e representação” (Die Welt als Wille und Vorstellung), 1819. Deste modo, o mundo passa a ser entendido como duas formas complementares. O mundo que as pessoas percebem a partir dos seus sentidos e do seu intelecto é o que se obtém da “representação”. Isto significa, segundo o pensamento de Schopenhauer que tudo que experienciamos passa primeiro por um filtro, no qual estão presentes as formas de espaço, tempo e causalidade. Este é o mundo das aparências, não o mundo real, além do mesmo se encontra a “vontade”, uma força irracional, sem finalidade, que atua impulsionando toda a existência, não somente a vida humana. A “vontade” se apresenta como essência, realidade última, princípio metafísico universal, não podendo ser reduzida a algo que seja racional ou consciente. A “vontade” é cega e incessante, sendo responsável por tudo o que ocorre na natureza, dos ditos fenômenos físicos até os desejos humanos. Ela também é responsável pelo sofrimento, já que nunca poderá ser plenamente satisfeita. Se cria um ciclo de frustração, dor e tédio, já que a natureza da “vontade” é desejar sempre e quando conseguimos aquilo que antes desejávamos, só nos resta o tédio.
Em Schopenhauer a vontade se apresenta como sendo cega, arbitrária, tirânica, brutal, e responsável por todo o sofrimento existente na vida. A vontade é a força por trás de todas as ações, desejos e impulsos humanos. A vontade está presente em tudo no universo e não somente em humanos. A vontade exerce forte impulso para a satisfação de nossos desejos e necessidades, mas nunca poderá ser plenamente satisfeita, pois, já atendido um, outro desejo ou necessidade imperiosa há de surgir. Somente pela contemplação da arte, pela moralidade e pela negação da vontade podemos escapar deste interminável ciclo. A experiência estética proporciona um estado de transe semelhante ao que no budismo chamamos de nirvana, permitindo a suspensão temporária do desejo por meio da apreciação da arte e em particular da música.
A vida se apresenta como uma sequência interminável de “vontade” e “sofrimento”, com efêmeros prazeres pontuando esta relação. Somente pela arte esta cadeia infinita de eventos pode ser superada. Na experiência estética proporcionada pela arte pode o humano anular a sua vontade esquecendo de si mesmo e do seu sofrimento.
Uma forma, se bem que momentânea, de escapar da dor presente em nossa realidade se dá por meio da contemplação estética, sendo a arte a consequência prática desta breve contemplação. Neste ponto em particular, a música se apresenta como sendo a forma mais pura de arte, já que esta retrata a vontade em si, sem estar sujeita ao princípio da razão suficiente. A música é a única de todas as artes, que não se limita a copiar ideias, mas incorpora a vontade em si. A música é uma linguagem atemporal e universal.
A vontade gera os desejos e necessidades que precisam ser atendidos, já esta falta ou carência oriunda dos desejos e necessidades não atendidos gera a dor e o sofrimento. Quando conseguimos atender um desejo ou necessidade, outro imediatamente surge, mas por um breve intervalo de tempo gozamos da felicidade, seguida do tédio.
Vários comentadores destacam ser Schopenhauer um pensador profundamente pessimista, já que este apresenta a vida como dor e sofrimento na busca de incessantes desejos provindos de nossa vontade e, quando finalmente alcançamos o que buscamos, o tédio dali resultante. Após incessantes e extenuantes batalhas para conseguir alcançar estes desejos, um novo desejo se apresenta, de modo que a insatisfação é algo constante.
A filosofia de Hegel é a filosofia do progresso e do otimismo, já a filosofia de Schopenhauer é a filosofia do pessimismo. Para Schopenhauer há um ciclo de repetições na história, algo sem propósito ou progresso real.
Um refúgio temporário desta dor e sofrimento imposto pela vontade pode ser encontrado na redenção pela arte, na medida em que a arte nos propicia a suspensão temporária da vontade. Quando diante de uma obra de arte, contemplando-a, o humano transcende seus desejos. Neste tocante, a música tem um papel de destaque, considerada por Schopenhauer como a arte mais elevada, já que não busca representar o mundo fenomênico, mas sim, expressar de modo direto a essência da “vontade”.
A moralidade baseada na razão ou em princípios universais é rejeitada por Schopenhauer. Há uma recusa, inclusive, da ética do dever proposta por Kant. Segundo o autor, a genuína moralidade se origina na compaixão (Mitleid), que é o reconhecimento da unidade que existe entre todos os seres, todos somos um e, do mesmo modo, todo sofrimento é universal.
É pela renúncia à “vontade” que encontramos a resposta para o sofrimento. Aqui encontramos um ponto de influência provindo das religiões indianas e o budismo em particular. O único caminho para a libertação da vontade é a negação dos desejos e impulsos. Esta renúncia há de ocorrer a partir do emprego de práticas ascéticas, meditação e um determinado estilo de vida.
A distinção entre “vontade” e “representação” encontra sua origem na inspiração da obra de Kant, no tocante ao “noumenon” e “fenômeno. No entanto, para Kant o noumenon não pode ser conhecido, já Schopenhauer pensa ser possível conhece-lo diretamente por meio de nossa experiência interior, uma vez que para este filosofo o noumenon é igualado à vontade.
Mesmo os ditos fenômenos naturais são entendidos por Schopenhauer como sendo expressão da “vontade”. A “vontade” atuando na natureza nos faz observar em todas as formas de vida a luta pela sobrevivência e reprodução, esta última visando a continuação da espécie e superando a morte do indivíduo.
Schopenhauer faz uso em seu livro “O mundo como vontade e representação” de uma metáfora que ficou conhecida como o “pêndulo de Schopenhauer”, que visa exemplificar a condição humana. Na vida temos uma constante oscilação entre de um lado a dor e o sofrimento e do outro lado o tédio, dois estados negativos e indesejados pelo sujeito. O prazer se encontra no meio, mas o pêndulo passa rapidamente por ele, não parando ou nele se demorando, trata-se de algo momentâneo e transitório entre duas condições negativas presentes em nossas vidas. A dor e sofrimento é fruto da não obtenção imediata dos desejos e necessidades criados pela vontade de viver. Esta não satisfação dos desejos gera constante insatisfação, a sensação ou sentimento de falta de alguma coisa. Ao satisfazer os desejos e necessidades impostos pela vontade temos como resultado o prazer, mas este é muito breve, pois, rapidamente cede seu lugar ao tédio e enfado e a nova busca por outros desejos e necessidades. Esta é, em resumo, a experiência da vida humana.
Na obra “Parerga e Paralipomena” Schopenhauer escreve de modo metafórico sobre “onde os pombos voam assados” ("Wo die Tauben gebraten fliegen"), ou, em uma interpretação mais livre e poética podemos ter "os pombos já voam assados até nossas bocas", fazendo referência a uma fictícia e utópica, mesmo absurda, ideia de civilização perfeita, onde não houvesse qualquer esforço ou sofrimento por parte das pessoas. A escolha por “pombos” faz alusão ao contexto histórico e cultural Europeu, onde estas aves eram, e ainda são consideradas alimento e fonte de proteína animal. A frase é uma metáfora sarcástica e irônica sobre o desejo humano por facilidades e prazeres sem o devido trabalho necessário. Já que a filosofia de Schopenhauer enfatiza sempre o sofrimento presente na existência humana, esta frase se apresenta como uma crítica ao otimismo ingênuo. Mesmo na ilusão de tal sociedade perfeita e ideal na qual todas as necessidades humanas fossem de imediato atendidas, o problema humano fundamental não encontraria resolução. Continuaria valendo a metáfora do pêndulo existencial, que penderia mais para o lado do “tédio”, gerando um vazio existencial e insatisfação referente a própria existência, o que seria causado pela “vontade”, sua natureza em relação a vida e a vontade de viver. No lugar da "dor” e do “sofrimento” por não conseguir o que se busca, o que se deseja, teríamos o constante tédio por já ter usufruído de nossos objetos de desejo. Uma crítica a qualquer filosofia, política ou utopia que planeje alcançar a felicidade plena por meio da satisfação puramente material.
Na obra “O mundo como vontade e representação” (Die Welt als Wille und Vorstellung), Schopenhauer usa da metáfora de um homem forte e cego carregando outro, que consegue ver, mas é aleijado: "O corpo é como um cego forte que carrega nas costas um aleijado que pode ver." Trata-se de uma metáfora para ilustrar a relação existente entre o nosso corpo e intelecto, estando ambos subordinados a “vontade”. O corpo cego e forte representa a força física e a energia vital. O corpo age de acordo com comandos, mas não consegue se auto direcionar. O corpo é movido pela vontade, a qual é cega e irracional. Já o outro homem representa a razão, o intelecto, este pode ver, mas não pode se locomover sozinho sem a ajuda do corpo do outro, por ser aleijado. O intelecto é limitado, já que depende do corpo e da vontade para pode atuar. No fundo, o intelecto é um escravo da vontade, atuando no direcionamento de ações e decisões, mas sem o comando último, pois, não tem como fugir dos impulsos da vontade. Trata-se de uma relação simbiótica entre ambos, corpo e intelecto. Enquanto o corpo fornece a força para se movimentar, o intelecto direciona as ações a serem feitas, no entanto, ambos são subordinados à vontade, principal força, irracional e presente em todas as coisas, não somente nos humanos. No fundo, o intelecto se mostra secundário em relação à vontade, pois, mesmo sendo responsável por perceber o mundo circundante e tomar as decisões mais racionais diante das situações dadas, sempre se mostra a serviço de desejos e impulsos provenientes da vontade. Mesmo sendo capaz de enxergar e entender o mundo, está preso a tirania de uma força cega e irracional que se apresenta como insaciável.
Schopenhauer nos fornece o exemplo da formiga Bulldog, a formiga gigante australiana (Myrmecia gulosa), que pode chegar a 4 cm de tamanho e são bem agressivas e de aparência intimidadora. Conta uma história sobre uma destas formigas, representando um comportamento supostamente característico da espécie. Tendo a formiga sido cortada ao meio, continuou a lutar com a outra metade. Independente da realidade factual da história, a mesma tem por objetivo ressaltar que a vida é uma luta de todos contra todos, diante dos conflitos internos e da irracional vontade de viver. O exemplo consta de “O mundo como vontade e representação” e tem por objetivo explicar sua filosofia por meio desta metáfora para ilustrar o caráter cego e irracional da vontade de viver, ou seja, mesmo se a vida não é mais possível, pois a formiga foi cortada ao meio e, portanto, irá necessariamente morrer, os impulsos vitais continuam persistentemente em sua luta pela vida. Aqui a luta da formiga cortada com ela própria, menos que um fato biológico cientificamente documentado, mostra-se como uma história metafórica e interpretativa, como imagem visando apresentar a irracionalidade da vontade. Uma metáfora para mostrar a realidade da sociedade humana, enquanto campo de constante luta entre os indivíduos, todos contra todos. A vontade se apresenta como a força fundamental presente na existência, gerando conflitos diversos, seja dentro de uma mesma pessoa, dividida internamente, ou com outros, isto apesar de todos estarem, afinal de contas, nas mesmas condições de sobrevivência. Ao tentar satisfazer suas próprias necessidades e desejos individuais, mesmo em detrimento de outros, cria-se na sociedade uma constante competição, disputa e sofrimento. A condição humana é marcada pela dor e sofrimento, bem como, pela luta incessante. A vontade nunca é plenamente satisfeita e isto cria um ciclo repetitivo de desejo / necessidade de um lado, e dor / sofrimento do outro. Do mesmo modo que a formiga cortada ao meio luta com ela mesma, a natureza humana também é dividida, partida, marcada por tensões insolúveis, que acaba se ampliando para as demais relações e interações humanas em sociedade. As pessoas, da mesma forma que esta formiga e mesmo sem o saberem, estão constantemente em conflito, uma com as outras, tanto interna quanto externamente, numa dinâmica de luta onde temos a situação de “todos contra todos’.
Schopenhauer também faz referência à alimentação em relação aos humanos, deixando claro que o humano é movido pela vontade e que esta inclui os impulsos básicos para a sobrevivência do corpo, como no caso, o ato de comer, se alimentando para poder sobreviver. Não há uma frase específica e semelhante a algo como ser o humano “aquele que come”, mas em “O mundo como vontade e representação” podemos encontrar: "O homem é um animal metafísico, mas, antes de tudo, é um ser que precisa comer." A animalidade está presente no humano, como em qualquer outro animal. Todos os animais precisam atender as suas necessidades básicas de sobrevivência, sendo escravos de sua vontade. Apesar da busca metafísica por transcendência em relação a sua condição material, fazendo uso da arte, da filosofia e de reflexões sobre sua própria existência, o humano não consegue eliminar sua realidade física e do mesmo modo que outros animais, também precisa comer. Comer se apresenta como sendo uma das manifestações primárias da vontade de viver. Temos a dor e sofrimento oriundos da fome, na qual a vontade exerce enorme pressão sobre o corpo na busca de uma saciação momentânea, apenas um intervalo, algo por demais efêmero até a próxima necessidade, o próximo desejo imperioso que também busca ser atendido. Comer nesta metáfora é mais que um mero ato físico, representa a condição humana, a relação entre o corpo e intelecto por um lado, e por outro a vontade expressa na dor e sofrimento decorrente do não atendimento imediato do desejo. Fome e saciedade nos animais se apresentam como um ciclo contínuo que reflete a natureza insaciável da vontade e a perpetuação do sofrimento.
Interessante a temática sobre o suicídio em Schopenhauer, pois, inocentemente se poderia pensar ser o suicídio uma fuga para o constante sofrimento presente na existência, mas isto é falso, uma mera ilusão. O suicídio não consegue enfrentar a raiz metafísica do problema, que é a vontade de viver, totalmente imperiosa, cega e irracional. Em verdade, o suicídio é também motivado pela vontade, já que é uma reação ao sofrimento e a insatisfação constante. O suicida não renuncia à vontade de viver, somente a sua própria existência individual. Seu ato ocorre porque este está frustrado por não poder atender a sua vontade e ter de conviver com sua atual condição de vida. O suicídio não resolve o problema fundamental do sofrimento, inerente à vontade, sendo uma mera tentativa de escapar de situações intoleráveis para a pessoa. A vontade de viver é a essência da existência e se faz presente em todos os seres vivos como impulso contínuo para continuar existindo. O suicídio não consegue eliminar a vontade, enquanto princípio metafísico. Não passa de um ato individual, também motivado pela vontade de viver, ou seja, não é uma superação e sim uma continuação da submissão à vontade. O suicídio não deve ser entendido como um pecado contra a Divindade, como o querem algumas religiões, e também não como um crime ou algo imoral, trata-se somente de um ato ético neutro incapaz de alcançar a verdadeira libertação da vontade.
A libertação do sofrimento se associa à extinção do desejo e não a destruição do corpo individual. Busca aqui Schopenhauer uma aproximação com o que no budismo chamamos de “nirvana”. Um ideal de renúncia à vontade é o que o filósofo busca em sua filosofia. Neste sentido, o suicídio pode ser entendido como sendo a máxima expressão da vontade de viver, algo que pode aparentemente parecer paradoxal, mas faz todo sentido dentro de sua filosofia. A vontade em sua filosofia se apresenta como sendo o princípio metafísico fundamental, força incessante que impulsiona todos os seres vivos a continuar existindo, lutando pela sua própria sobrevivência e da espécie. O suicídio só parece ser uma negação da vida, da vontade de viver, pois, na verdade o suicida busca escapar do sofrimento ocasionado pela vontade. A vontade deseja ardentemente a sua satisfação, que é a ausência da dor, a felicidade mesmo que momentânea. O suicida busca resolver este problema dado pela vontade insatisfeita. Ao eliminar sua existência individual, este não elimina a vontade de viver enquanto essência metafísica, somente rejeita continuar vivendo naquelas condições específicas as quais está submetido. Ao preferir morrer do que viver sem ter suas necessidades e desejos atendidos, temos em verdade uma real expressão da vontade de viver, viver uma vida diferente e melhor, na qual seus desejos e impulsos sejam imediatamente atendidos. Não é uma verdadeira renúncia à vontade. O ato suicida ainda ocorre dentro dos domínios da vontade, já que busca uma solução do sofrimento e dor, por um modo que a pessoa pensa naquele momento ser mais prático e imediato. A verdadeira motivação por trás do suicida é o desejo de viver bem. O desejo de viver uma vida sem frustrações é o que guia o suicida e na aparente impossibilidade de o fazer, prefere eliminar sua existência individual, mas a vontade sempre esteve ativa no suicida, pois, este jamais renunciou à vontade, sua decisão reflete a força da vontade, buscando o fim do sofrimento e da dor. A vontade é algo universal e metafísico que não pode ser eliminado pela morte. Uma pessoa morta é apenas uma única manifestação desta vontade que se encerra. Não há por parte de Schopenhauer uma condenação formal e moral do suicídio, mas sim o entendimento de ser este ato algo superficial e não uma libertação genuína da vontade, o que só pode ser feito corretamente pela ascese, negando a vontade em sua totalidade e encontrando um estado absoluto de desapego, não uma mera e impulsiva reação as dores da vida. O suicida não supera a vontade, se rende a mesma. A pessoa está tão vinculada ao atendimento de seus desejos e impulsos, querendo viver uma vida sem dor e sofrimento, que, não encontrando outra forma de satisfazer a vontade, prefere destruir sua própria e individual existência.
Mesmo se ocorresse um suicídio coletivo de toda a espécie humana, a vontade continuaria a imperar, pois, esta não depende do humano para existir, estando presente em tudo, tantos nas coisas animadas, orgânicas, como nas inanimadas, inorgânicas. Desde a pedra até o mais elevado animal, em todos encontramos a força da vontade. Trata-se de uma vontade metafísica universal. A vontade é uma força cega e irracional que está presente em todas as formas de vidas e mesmo na matéria inanimada. O ser humano e a humanidade são apenas manifestações particulares desta vontade, que tem como característica a capacidade de reflexão e autoconsciência. Uma hipótese absurda de um suicídio coletivo de toda a humanidade só representaria, paradoxalmente, uma expressão extrema da própria vontade de viver, pois, teríamos aqui o desejo humano de acabar com toda a dor e sofrimento em um âmbito universal. Ou seja, a humanidade não estaria agindo contra, e sim a favor da vontade. A verdadeira superação da vontade não inclui a destruição física e sim a superação por meio de uma mudança metafísica e espiritual que pode ser obtida na negação de todos os desejos e impulsos.
Apesar de não viver uma vida de ascetismo, em seus escritos prega o mesmo como solução da relação existente entre a “vontade” por um lado, e a dor, sofrimento e tédio pelo outro. Caberia negar a vontade de viver, afirmando uma “não-vontade”, buscando chegar a um estado de nirvana. Uma fuga da aparente realidade por meio do silêncio, jejum, castidade e constante e sistemática renúncia de tudo que é aparentemente real. No entanto, cabe mencionar que os registros históricos biográficos que possuímos de Schopenhauer nos falam que este quando jovem teve várias mulheres visando o sexo. Em geral mulheres de classe social inferior a sua. Ele gostava de comer bem e muito. Ele ambicionava a fama e notoriedade desde jovem. Chegou a marcar seu curso de filosofia na Universidade de Berlim no mesmo horário das aulas ministradas por Hegel, quando este estava no auge da fama e Schopenhauer era um ilustre desconhecido autor de sua principal obra, “O mundo como vontade e representação”, que simplesmente encalhou na editora, da mesma forma que só conseguiu cerca de 4 alunos para suas aulas, enquanto cerca de 200 disputavam no mesmo horário a classe de Hegel. Discutiu e agrediu jogando escadas abaixo uma vizinha fofoqueira que costumava observar este trazer mulheres para seu apartamento. Brigou várias vezes com a mãe e por fim rompeu em definitivo o relacionamento com esta. Estes comportamentos não são de modo algum condizentes com quem defende a prática do ascetismo. Talvez para os outros, mas com certeza não para ele mesmo.
De um lado temos um estado de enfado, monotonia, aborrecimento, irritação, incômodo, desconforto, ou falta de interesse em relação a algo, do outro lado temos dor e sofrimento, no meio encontramos a felicidade e o prazer. Um pêndulo faz este movimento, ficando pouco tempo no meio, pois, quando conseguimos algo que desejamos o prazer dura pouco, sendo rapidamente substituído pelo enfado e tédio.
O único caminho possível para superar a vontade se dá pela renúncia ascética. Somente pela renúncia à vontade, a negação da vontade como um todo, a aceitação da dor e do sofrimento é que podemos ter a libertação dos desejos e impulsos oriundos da vontade. Além da prática do ascetismo, pode-se destacar também a importância da compaixão e da contemplação. São os três níveis necessários para a superação da vontade: 1- a arte (contemplação da beleza artística, em particular na música), 2- a moral (exercício da compaixão), 3- a ascese (práticas de negação da vontade de viver).
Segundo Schopenhauer em "O mundo como vontade e representação", há caminhos (formas, vias, passos, maneiras) para superar ou, pelo menos, transcender temporariamente a força da vontade e ele lista três: arte (Kunst), moral (Morál, Moralität) e ascese / ascetismo (Askese). Há comentadores que se referem a estes caminhos como “graus” ou “estágios”, fazendo referência a um progresso hierárquico de dificuldade e profundidade.
O primeiro passo em busca da superação da vontade é a arte. Nela temos uma temporária fuga por meio da contemplação da beleza. Neste breve momento intuitivo nos afastamos, se bem que temporariamente, de nossa própria individualidade. O envolvimento com a experiência estética resultante da observação de uma obra de arte (em partícular a que Schopenhauer considera a mais elevada, a música) nos permite o afastamento temporário dos desejos e necessidades não atendidos, e oriundos do impulso da vontade. O não atendimento imediato dos desejos e impulsos provenientes da vontade gera dor e sofrimento, daí a importância da arte na superação da vontade.
O segundo passo é a moralidade. O comportamento moral surge do reconhecimento de que todos são um e que a individualidade é uma ilusão. Esta compreensão gera empatia para com o outro, parte integrante de uma unidade essencial a todos os seres. Aqui conseguimos obter uma compreensão profunda do sofrimento universal. A moral se mostra não apenas contemplativa, mas também ativa ao lidar com dilemas existenciais. Aqui encontramos a compaixão pelo outro.
O terceiro passo é a ascese, este o mais profundo de todos. Aqui temos a renúncia consciente e deliberada da vontade, que leva a renúncia dos desejos e ao afastamento da ideia de individualidade. Para superar realmente à vontade é preciso primeiro reconhecer que a mesma é a causa de todo o sofrimento, somente após este reconhecimento poderemos buscar sua rejeição, sua negação. Aqui, mais do que a compreensão oriunda da razão, temos a presença da contemplação mística e espiritual e práticas presentes no budismo e no hinduísmo vinculadas ao ascetismo e ao desapego, alcançando a verdadeira libertação que nos aproxima do estado de nirvana.
Os três caminhos se mostram como vias alternativas e paralelas de superação da vontade. Ao se referir aos três, apesar de haver a ideia de uma progressão, o termo “caminho” e seus sinônimos, como por exemplo “via”, tende a se mostrar mais fiel e neutro em relação ao texto original. Enquanto a arte nos fornece um imediato alívio e uma experiência intuitiva de transcendência, mesmo que temporária, a moral fornece uma resposta prática à situação vivida diante do sofrimento não somente individual, mas universal, permitindo a compaixão e a conexão com todos os demais, por sua vez, a ascese nos permite adentrar em um processo consciente de negação da vontade, levando a uma maior libertação diante dela.
Dentro do pensamento filosófico de Schopenhauer os conceitos “arte” e “estética” não são sinônimos, apesar de muito relacionadas entre si. Ambos conceitos hão de fazer referência ao campo da experiência artística e do belo, mas com algumas particularidades. A “arte” (Música, pintura, poesia, escultura e outras expressões artísticas) se mostra como uma atividade humana, por meio da qual podemos temporariamente transcender a vontade. Trata-se de algo que possa gerar uma forma de contemplação que suspende o desejo e, deste modo, também a dor e sofrimento por não obter aquilo que se deseja. A arte proporciona o afastamento de uma relação egoísta com o mundo. A “estética” é algo mais amplo, vinculado à experiência do belo e ao seu estudo filosófico. A experiência do belo não ocorre somente nas artes humanas, mas também na natureza e na vida em geral. A arte é parte da experiência estética, sendo esta mais ampla que a arte por nós criada, já que também envolveria a própria natureza. A expressão mais correta quando falarmos sobre a transcendência da vontade seria a “arte”.
Schopenhauer apresenta uma crítica a ética do dever proposta por Kant. Caberia encontrar ações que possam ser entendidas como tendo um valor moral inquestionável. Cabe às ações morais estarem sempre em relação com o bem de outras pessoas. No entendimento deste filósofo o humano é um ser egoísta por natureza, mas na ação moral isto é mudado, na medida em que se trata de uma ação que nega a expressão da vontade, como se neste momento a ilusão do fenômeno fosse compreendida e o outro deixasse meramente de ser outro, para ser semelhante a mim mesmo.
A tarefa da ética perante à filosofia não é prescrever e sim investigar ações morais. Schopenhauer entende que a motivação do comportamento altruísta é a compaixão pelos sofrimentos dos outros, sentindo-se deste modo a pessoa conectada com todos a sua volta e sendo deste modo a compaixão a base da moralidade. A ética em Schopenhauer tem como base uma radical igualdade entre todos os seres, não somente os humanos, mas todos os animais.
ALGUMAS DE SUAS PRINCIPAIS OBRAS
1- Sobre a Quádrupla Raiz do Princípio de Razão Suficiente. Título original: Über die vierfache Wurzel des Satzes vom zureichenden Grunde. Ano: 1813 (primeira versão).
Tese de Doutorado de Schopenhauer, na qual analisa o princípio de razão suficiente (conceito que afirma que tudo tem uma explicação). Divide, nesta obra, o conceito de “razão suficiente” em quatro categorias: razão lógica, causalidade, motivação e necessidade matemática. Se considera que esta obra vem a estabelecer as bases epistemológicas de sua posterior filosofia.
2- O Mundo como Vontade e Representação. Título original: Die Welt als Wille und Vorstellung. Ano: 1819.
Considerada pelos comentadores como sendo a obra mais importante deste filósofo, nela apresenta uma visão do mundo como sendo representação (fenômeno) e vontade (essência irracional que tudo move). Temos uma crítica ao otimismo presente em Hegel e uma ênfase ao sofrimento presente na existência humana. Para conseguir alcançar a paz, propõe o ascetismo enquanto renúncia à vontade.
3- Os Dois Problemas Fundamentais da Ética. Título original: Die beiden Grundprobleme der Ethik. Ano: 1841.
Nesta obra são abordadas duas questões centrais: o fundamento da moralidade e a liberdade da vontade. Há uma defesa do altruísmo como sendo a base da moral. Segundo o autor, a vontade humana é livre, mas determinada por forças da qual o humano não possui consciência.
4- Parerga e Paralipomena. Título original: Parerga und Paralipomena. Ano: 1851.
Coleção de ensaios e aforismos abordando temas diversos, tais como: filosofia, arte, religião, ciência. Esta obra teve grande impacto e repercussão, sendo a responsável por tirar o autor do anonimato acadêmico e social, levando-o literalmente ao estrelato, sendo reconhecido, se bem que tardiamente em sua vida, como um pensador original que veio posteriormente a influenciar vários pensadores de destaque.
5- Metafísica do Belo e outros ensaios. Título original: Metaphysik des Schönen. Ano: Publicado postumamente em várias edições.
O título desta obra faz referência a seções ou fragmentos sobre a estética e o belo dentro de outras obras maiores de Schopenhauer, como: O Mundo como Vontade e Representação e em Parerga e Paralipomena. Trata-se aqui da compilação e publicação póstuma de várias de suas obras consideradas menores. Esta coletânea aborda a estética, destacando a arte, em particular a música, como uma forma de escapar do sofrimento e suspender de modo momentâneo a vontade.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
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