Por: Silvério da Costa Oliveira.
Émile Durkheim
1- Biografia
David Émile Durkheim (1858-1917) nasce em Épinal, Alsácia-Lorena, próximo de Estrasburgo, e falece aos 59 anos de idade na cidade de Paris.
Épinal, na Alsácia-Lorena, era uma região disputada entre França e Alemanha. Após a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), a região foi anexada pela Alemanha, o que influenciou a identidade de Durkheim como francês e seu compromisso com a unidade nacional.
Proveniente de uma família judaica adotou para si o agnosticismo. Havia uma tradição de seguir a atividade de rabino em sua família, tradição da qual Durkheim se afastou, sem, no entanto, romper os laços com a comunidade judaica, da qual vieram muitos de seus alunos e discípulos. Ele também se posicionou no Caso Dreyfus (Capitão Alfred Dreyfus), defendendo a justiça social. Durkheim escreveu e participou ativamente como “dreyfusard”, defendendo a inocência de Alfred Dreyfus e criticando o antissemitismo. Isso o colocou em oposição a setores conservadores da sociedade francesa.
Após os estudos básicos em sua cidade natal, mudou-se para Paris, onde prosseguiu seus estudos. Durkheim estudou no Collège d’Épinal e depois ingressou na prestigiada École Normale Supérieure (ENS) em Paris, em 1879, após ser aprovado no exame de admissão. Atuou como professor de filosofia em Paris. Entre 1885 e 1886 estudou na Alemanha e se familiarizou com a obra e trabalho de Wundt. Durkheim passou cerca de um ano (1885-1886) na Alemanha, onde estudou com Wilhelm Wundt em Leipzig, mas também foi influenciado por outros acadêmicos, como Gustav Schmoller e a escola histórica alemã, que impactaram sua visão sobre métodos científicos. Em 1887 cria a cátedra de sociologia e começa a lecionar na universidade de Burdeos. Durkheim foi nomeado professor de pedagogia e ciência social na Universidade de Bordeaux em 1887, mas a cátedra foi inicialmente de "pedagogia e sociologia", não apenas sociologia. Ele foi pioneiro ao introduzir a sociologia como disciplina acadêmica. Também em 1887, Durkheim casou-se com Louise Dreyfus. Eles tiveram dois filhos, Marie e André. Louise Dreyfus não foi apenas esposa de Durkheim, mas também uma colaboradora importante, ajudando a organizar suas pesquisas e a gerenciar a correspondência da L’Année Sociologique.
Na École Normale Supérieure, Durkheim foi colega de figuras como Jean Jaurès (futuro líder socialista) e Henri Bergson (filósofo renomado). Esses contatos influenciaram seu pensamento e o colocaram no centro do debate intelectual francês.
A partir de 1902 passa a ocupar a cátedra de sociologia e pedagogia na universidade de Sorbona. Durkheim assumiu a cátedra de "Ciência da Educação" na Sorbonne em 1902, que mais tarde (em 1913) foi renomeada como "Ciência da Educação e Sociologia". Isso reflete sua influência crescente na institucionalização da sociologia. Durkheim é o responsável pela fundação e direção da revista L’Année sociologique, cujo interesse se pautava na sociologia e suas aplicações. A revista L’Année Sociologique foi fundada em 1896 (primeiro número publicado em 1898) e continuou até 1913, totalizando a publicação de 12 volumes, embora tenha sido interrompida durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Durkheim usou a revista para consolidar a sociologia como disciplina e reunir um grupo de colaboradores, como Marcel Mauss, seu sobrinho. Após sua morte, Marcel Mauss continuou seu legado ao retomar a L’Année Sociologique, em 1925.
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) teve um impacto devastador na vida de Durkheim. Seu filho, André, morreu em combate em 1915, o que abalou profundamente sua saúde e contribuiu para seu falecimento em 1917. Durante a guerra, Durkheim também se envolveu em atividades patrióticas, escrevendo panfletos para defender a França. Durkheim sofreu um derrame em 1916, agravado pela perda do filho e pelo estresse da guerra, o que levou a sua morte em 1917.
Atuou como sociólogo, antropólogo, cientista político, psicólogo social e filósofo. Durkheim, conjuntamente com Augusto Comte, Karl Marx e Max Weber, é considerado o pai fundador/construtor da moderna ciência social, a sociologia. Cabe, dentro do pensamento desenvolvido por Durkheim, a sociologia estudar os fenômenos atribuídos à sociedade como um todo e não se ater especificamente a esfera individual.
Durkheim sofreu diversas influências na elaboração de seu trabalho, das quais podemos citar: Auguste Comte, Herbert Spencer, Rousseau, Montesquieu, Wilhelm Wundt, dentre outros.
Dentre as principais contribuições de Durkheim para a sociologia temos: o desenvolvimento de uma noção de “indivíduo” (com a ressalva que sua ênfase sempre foi no coletivo e não no individual); a análise da sociedade como realidade coletiva; o estudo do suicídio; o estudo da religião; o estudo da divisão do trabalho social; o desenvolvimento de um método científico para a sociologia com a escolha de seu objeto de estudo, o fato social.
Apesar de sua importância como fundador da sociologia científica, o trabalho de Durkheim enfrentou críticas significativas. Marxistas argumentavam que sua abordagem funcionalista (ênfase na coesão e estabilidade social) e o conceito de fato social negligenciavam conflitos de classe e desigualdades sociais e econômicas como motores da mudança social, focando excessivamente na integração social, sem propor transformações e nem apontava os rumos em direção a criação de uma sociedade melhor, ideal e perfeita, por meio de atuações visando a modificar a atual sociedade em direção a uma sociedade utópica no futuro. Para estes, ao mudar os modos de produção, muda-se as relações de trabalho e a estrutura da sociedade. Houve quem argumentasse que a ideia de se obter um equilíbrio social era por demais otimista e que ignorava as tensões inerentes às mudanças sociais. Sociólogos interpretativos, como Max Weber, criticavam a ideia de tratar fatos sociais como “coisas” em seu método sociológico, alegando que isso minimizava a subjetividade e a agência individual, especialmente em fenômenos como religião, onde intenções pessoais são cruciais, entendendo que esta abordagem poderia ser muito simplista, não vislumbrando toda a complexidade presente nas interações humanas. Além disso, sua ênfase na consciência coletiva e na coerção social foi questionada por simplificar a complexidade das interações humanas, particularmente em contextos de mudança rápida ou diversidade cultural. Críticos também apontavam que sua análise do suicídio, embora inovadora, subestimava fatores psicológicos individuais. Apesar dessas críticas, o rigor científico de Durkheim e sua visão da sociedade como realidade coletiva consolidaram a sociologia como disciplina, influenciando debates até hoje.
Dentre os principais trabalhos escritos e publicados por Durkheim, podemos citar: “Da divisão do trabalho social”, 1893; “As regras do método sociológico”, 1895; “O suicídio”, 1897; “As formas elementares da vida religiosa”, 1912.
Além de suas obras, o impacto de Durkheim continuou a moldar a sociologia. O legado de Durkheim transcende sua época. Por meio da L’Année Sociologique, ele formou uma geração de sociólogos, como Marcel Mauss e Maurice Halbwachs, e influenciou teóricos contemporâneos, como Talcott Parsons e Robert Merton. Suas ideias sobre coesão social continuam relevantes para entender questões atuais, como educação, desigualdade e polarização, consolidando-o como um pilar da sociologia.
A teoria desenvolvida por Durkheim se tornou conhecida como teoria funcionalista, isto em virtude da analogia que pode ser feita com as funções presentes no organismo vivo. Trata-se de uma abordagem sociológica que faz uso da comparação da sociedade com um organismo vivo, deste modo, as instituições, práticas ou fenômenos sociais, desempenham uma dada e específica função visando garantir a coesão social, a estabilidade e a sobrevivência do sistema social.
Durkheim foi aqui inspirado por outros pensadores, como no caso Augusto Comte, que entendia a sociedade como sendo um todo orgânico, e Herbert Spencer, que fazia uso de analogias biológicas. No funcionalismo proposto por Durkheim temos o desenvolvimento de uma abordagem mais rigorosa e científica, que enfatiza a análise empírica e a interdependência dos elementos sociais presentes. Durkheim se diferencia destes autores ao rejeitar o determinismo biológico (Spencer) e propor uma sociologia científica com base em dados empíricos e na análise das funções sociais. Na obra de Durkheim também podemos ver a presença de outros pensadores, tais como Rousseau, que destacava o papel do contrato social na coesão, sendo que Durkheim adaptou esta ideia para o contexto da sociedade na qual vivia em sua época histórica, realçando a interdependência presente em sociedades complexas.
Cada parte da sociedade (família, economia, direito, cultura) oferece a sua contribuição visando a manutenção do equilíbrio social, deste modo, a ideia do funcionalismo para descrever a sociedade faz analogia com o corpo de um organismo vivo, no qual os seus diversos órgãos trabalham em harmonia para proporcionar saúde ao organismo. Segundo o pensamento de Durkheim, os fenômenos sociais existem com o propósito de atenderem às necessidades coletivas presentes na sociedade e não apenas os interesses individuais, a partir deste entendimento, analisou como práticas e instituições diferentes tendem a reforçar a ordem social existente, atuando de modo a gerar maior integração e a regular os comportamentos individuais e coletivos.
Este conceito foi desenvolvido por Durkheim em um momento histórico de profundas mudanças sociais que ocorriam na Europa (industrialização, urbanização, secularização, abandono do campo pelas massas sociais em direção as cidades). Enquanto Spencer analisava a sociedade como o resultado da competição individual, Durkheim segue outro rumo, enfatizando a primazia da sociedade sobre o indivíduo e rejeitando explicações reducionistas, que atribuíam os fenômenos sociais a causas individuais (emocionais, psicológicas), biológicas ou econômicas. Segundo seu pensamento, a sociedade apresenta uma realidade própria, independente e única, com leis e dinâmicas específicas.
Era intenção do trabalho desenvolvido por Durkheim a frente da sociologia, encontrar as funções de cada fenômeno social, qual o papel desempenhado por tais fenômenos na manutenção da sociedade, bem como, analisar quando as condições presentes em tais fenômenos podem se mostrar benéficas ou disfuncionais. Durkheim entendia que mesmo práticas que aparentemente se mostrem como negativas, podem desempenhar um papel positivo, ao reforçar normas e práticas sociais. Deste modo, mesmo desvios podem ser integrados à comunidade ajudando a formar a sua coesão social.
Segundo Durkheim, o funcionalismo se baseia em alguns (quatro) princípios centrais: a interdependência social; a função social; a primazia da sociedade; o equilíbrio e a adaptação.
Por interdependência social, Durkheim entende que a sociedade é um sistema cujas partes que o compõe são interconectadas, de modo que cada elemento presente desempenha um papel para a estabilidade social, como tal é o caso das instituições, das normas e dos valores. Pensemos que a família educa os indivíduos para seguirem as normas sociais, enquanto o sistema jurídico atua regulando os conflitos e ambos contribuem para a coesão social.
Durkheim entendia que cada fenômeno social possui uma função, um propósito, que supre uma dada necessidade social. As funções podem se apresentar de modo manifesto ou latente. Quando manifestas, se mostram intencionais e são reconhecidas, já quando latentes, estas são não intencionais, mas ainda assim benéficas. Se pensarmos em uma cerimônia pública, esta pode ter uma função manifesta de celebrar algo, mas também pode atuar como função latente, ao proporcionar a união do grupo social.
Segundo o pensamento de Durkheim, a primazia deve ser dada à sociedade, já que o indivíduo dentro da sociedade é moldado por forças sociais coletivas, tais como valores e normas sociais, que ultrapassam as intenções individuais. Ao propor a primazia da sociedade sobre o indivíduo, Durkheim se afasta de outras concepções, tais como as presentes nos economistas clássicos ou nos utilitaristas, abordagens estas individualistas.
Para Durkheim a sociedade busca o equilíbrio e a adaptação diante das rápidas mudanças que a atingem, tais como a saída do homem do campo em direção as cidades, a maior urbanização e a industrialização. Mudanças rápidas podem gerar desequilíbrios e para solucioná-los torna-se necessário a ocorrência de adaptações nas funções das instituições.
Durkheim fez emprego do funcionalismo para analisar diversos fenômenos sociais em busca do entendimento sobre como estes contribuiriam para a coesão social e estabilidade na sociedade. Aqui podemos pensar nos trabalhos elaborados sobre a divisão do trabalho, o suicídio, a religião, o crime e a educação.
Durkheim entendia as instituições sociais como mecanismos que propiciam a integração do indivíduo à sociedade, atuando de modo a fornecer normas e papéis que garantam a ordem social. Aqui temos instituições tais como a família, o sistema educativo, o sistema jurídico.
As práticas coletivas, tais como rituais, celebrações e mesmo punições sociais, atuam reforçando os laços entre as pessoas dentro da sociedade e reafirmando valores compartilhados pelo grupo.
Os desvios sociais, tais como infrações às normas vigentes, podem atuar de modo a reforçar os limites do aceitável socialmente, reafirmando as regras sociais.
O funcionalismo teve relevância e exerceu influência social posterior, influenciando teóricos tais como Talcott Parsons, que veio a desenvolver a teoria dos sistemas sociais, e Robert Merton, que refinou o conceito de funções manifestas e latentes. Cotidianamente temos o uso do funcionalismo na análise de instituições e como estas contribuem para a sociedade, como é o caso da educação, da saúde e do sistema judicial. Claro que atualmente o funcionalismo é por vezes associado a outras perspectivas. Mas é importante que se entenda que o funcionalismo de Durkheim continua relevante por sua capacidade de explicar como as sociedades complexas conseguem manter a sua coesão por meio do uso de instituições interdependentes. Com certeza, a visão de uma sociologia sistemática e científica consolidou a autonomia desta disciplina e foi capaz de entender as dinâmicas coletivas que moldam a vida humana em sociedade. O funcionalismo proposto por Durkheim foi inovador, ofereceu uma base sólida para a sociologia enquanto ciência, permitiu uma análise sistemática das instituições e das práticas sociais, mas não esteve isento de críticas diversas.
3- Método
Seu método foi apresentado em seu livro “As regras do método sociológico”, 1895, cabendo a este a consolidação da sociologia como uma ciência independente. De Comte trouxe a influência de entender que as leis sociais devem ser estudadas empiricamente. Sua busca por uma sociologia científica o fez optar pela rejeição de especulações de origem metafísica e explicações com origem em fatores individuais, sejam estes psicológicos ou biológicos. Dentro da abordagem de Durkheim, a sociologia deve se ater a estudar os fenômenos sociais enquanto realidades objetivas e com características próprias e distintas das intenções ou ações individuais.
Durkheim busca estudar as sociedades por meio do método positivo, inspirado em Comte, Spencer e Wundt, dentre outros. Segundo seu pensamento, a moral, a religião, a cultura e as ciências seriam fruto do meio social, tendo suas origens na sociedade. A sociologia passa a ser uma ciência que tem o social como absoluto (o social como sendo o foco central), um princípio geral de explicação de tudo que o humano desenvolveu.
O contexto social no qual Durkheim desenvolveu seu método sociológico foi marcado por grandes transformações sociais e intelectuais, tais como a industrialização, a saída do homem do campo para as cidades, a urbanização, os avanços das ciências naturais.
Durkheim entendia que a sociologia é uma ciência que estuda a sociedade buscando as leis que a regem, por meio do uso de método rigoroso e distinto da filosofia, evitando, também, abordagens reducionistas e buscando um estudo sistemático de seu objeto.
Segundo a concepção de base positivista presente em Durkheim, só nos é possível conhecer de modo científico os fenômenos e suas leis, eliminando do estudo filosófico toda metafísica. Deve-se abandonar o estudo abstrato de causas superiores e buscar as causas presentes nas observações sensíveis.
Segundo Durkheim, era importante estabelecer regras claras para a observação, explicação e comparação dos fenômenos sociais, de modo a permitir que a sociologia possa revelar as reais dinâmicas coletivas que atuam dentro da sociedade moldando a vida das pessoas nelas presentes. Segundo seu pensamento, a sociedade possui uma realidade própria e independente dos indivíduos que a compõem, cabendo a sociologia o estudo dos fenômenos sociais com objetividade, a mesma presente nos estudos das ciências naturais.
O método de Durkheim, detalhado em As Regras do Método Sociológico, baseia-se em cinco princípios fundamentais: tratar os fatos sociais como sendo coisas; eliminar preconceitos; identificar causas e funções; uso da comparação; análise empírica.
1- Tratar os fatos sociais como coisas: Durkheim propôs que os fenômenos sociais, como normas, valores ou instituições, devem ser tratados como objetos externos ao pesquisador, observáveis e mensuráveis, em vez de subjetivos ou abstratos. Essa regra busca garantir a objetividade, eliminando preconceitos ou suposições pessoais.
2- Eliminar preconceitos: O sociólogo deve abandonar ideias preconcebidas sobre a sociedade, baseando suas análises em dados empíricos e observações sistemáticas, livres de juízos morais ou ideológicos.
3- Identificar causas e funções: Durkheim distinguia entre as causas que produzem um fenômeno social e as funções que ele desempenha na sociedade. Por exemplo, uma instituição pode surgir por fatores históricos (causa) e existir para manter a coesão social (função). Essa distinção é essencial para evitar confusões entre origem e propósito.
4- Uso da comparação: A comparação entre sociedades ou períodos históricos é uma ferramenta central para identificar leis gerais e variações nos fenômenos sociais. Durkheim usava métodos comparativos para analisar como diferentes contextos sociais influenciam fenômenos, como a organização do trabalho ou práticas culturais.
5- Análise empírica: A sociologia deve se basear em dados concretos, como estatísticas, observações históricas ou etnográficas, para formular explicações científicas, em vez de especulações metafísicas sobre causas superiores ou abstratas.
Durkheim realizou diversas análises sociais nas quais teve a oportunidade de aplicar o seu método, demonstrando deste modo que a sociologia pode estudar fenômenos sociais de modo científico. Fez uso de dados empíricos e comparações históricas para examinar como as instituições ou práticas sociais surgem em determinados contextos e após seu surgimento, atuam para manter a estabilidade social. O método adotado por Durkheim enfatiza a necessidade da observação dos fenômenos coletivos e não das intenções individuais. Os fenômenos coletivos podem ser estudados tomando como dados, por exemplo, as taxas de criminalidade ou os padrões de comportamento. Durkheim abordou estes fenômenos em estudos que conduziu sobre a divisão do trabalho, o suicídio, o crime e a religião.
Em sua época histórica, sua abordagem metodológica foi revolucionária em virtude de sua originalidade, diferenciando a sociologia de outras disciplinas com seus campos de estudo particulares, como tal é o caso da psicologia e da economia. Deste modo, fenômenos sociais deixam de ser reduzidos a motivações individuais ou fatores materiais e econômicos. Os fatos sociais não devem ser explicados baseados em motivações pessoais, estados mentais (emoções), determinismos econômicos (Marx) ou biológicos (Spencer). A sociedade possui leis próprias que podem e devem ser estudadas objetivamente. Se diferenciando do Positivismo adotado por Comte, adota forte ênfase na comparação e na análise empírica, sendo menos teórico que Comte. Também se afasta da abordagem filosófica empreendida por Rousseau, adotando uma abordagem mais científica.
O método proposto por Durkheim teve e tem ainda, grande relevância. Mesmo nos dias atuais continua exercendo influência na sociologia. A defesa que fez na objetividade e na análise empírica dos dados se faz presente em atuais estudos quantitativos, nos quais temos pesquisas estatísticas sobre o comportamento social, também vemos sua abordagem influenciando em análises comparativas, dentre as quais os estudos sobre diferenças culturais entre grupos sociais de países distintos.
Sociólogos contemporâneos aplicam suas ideias para investigar questões como desigualdade, educação ou mudanças sociais, muitas vezes combinando o método de Durkheim com outras perspectivas. A obra As Regras do Método Sociológico permanece um marco, ensinando que a sociedade pode ser estudada com o mesmo rigor das ciências naturais, consolidando a autonomia da sociologia como disciplina.
Apesar de ter recebido algumas críticas, o método de Durkheim foi fundamental para firmar a sociologia como uma ciência, proporcionando todo o arcabouço rigoroso necessário em pesquisa social.
4- Fato social
Outra ideia importante por ele desenvolvida é a de “fato social”, pela qual podemos entender aquilo que é geral e comum dentro de dada sociedade, e aquilo que tem uma existência social própria, independente de manifestações individuais. O fato social possui um caráter universal que lhe é intrínseco, tornando-o externo aos indivíduos e exercendo um poder imperativo de coação sobre todos dentro da sociedade. Trata-se de um modo de fazer algo que se impõe ao indivíduo de modo coercitivo pelo social. Temos as leis que obrigam determinado comportamento sob pena de sanções legais, temos as sanções morais impostas pela opinião pública, temos a educação desde criança ensinando como é mais adequado socialmente comer, vestir-se e comportar-se de acordo com as regras sociais vigentes. Os fatos sociais são exteriores às pessoas e podem ser observados por meio da experiência sensível. Durkheim elege como princípio e primeira regra de seu método sociológico considerar o fato social como sendo uma coisa.
Este conceito, central em sua obra, foi apresentado em “As regras do método sociológico”, 1895. Trata-se do objeto de estudo da sociologia, por meio do qual esta é distinguida de outras ciências. O fato social é um dos pilares que proporcionam a sociologia ser uma ciência autônoma, distinta da psicologia e da economia. O fato social se apresenta como a forma de agir, pensar e sentir, externa ao indivíduo, e que exerce alguma coerção social sobre esta pessoa. O fato social possui uma existência própria, independentemente de qualquer consciência individual. Por meio da análise dos fatos sociais pode-se descobrir a consciência coletiva de uma dada sociedade.
Podemos entender o fato social como se apresentando na forma de se comportar, pensar e sentir demonstrada pelas pessoas em sociedade, mas provenientes de uma consciência coletiva externa ao indivíduo. O fato social é externo, geral e coercitivo, pois, antecede a vida do indivíduo, já que quando este nasce, já se encontram presentes diversas condições que irão marcar sua existência e suas escolhas na vida, como tal é caso do sistema educacional e de crenças no qual será inserido, das práticas religiosas presentes em sua sociedade, da linguagem da qual faz uso, da história de sua comunidade, da estrutura de trabalho desenvolvida e em vigor na sociedade, das relações comerciais e econômicas, das práticas presentes na profissão que este indivíduo adotar em sua vida, etc. Tudo isto ocorre sempre de modo independente de qualquer uso que o indivíduo possa delas fazer.
Os fatos sociais possuem realidade objetiva e portanto podem ser estudados pela ciência. O fato social possui três características essenciais: generalidade, externalidade e coercitividade.
Os fatos sociais são divididos em normais e patológicos. Os fatos sociais normais reforçam os laços sociais dentro de uma dada sociedade. Os fatos sociais patológicos atuam contrários a esta mesma sociedade, negando-a. Aqui temos os atos puramente egoístas e o suicídio como exemplo.
Durkheim entendia que os fatos sociais possuem existência própria e independente da vida cognitiva e emocional de cada pessoa em particular. Um fato social é uma coisa dada. O fato social está vinculado a formas de pensar e agir coletivas.
O conceito de fato social foi desenvolvido em um contexto de consolidação da sociologia como ciência, no final do século XIX, período marcado por transformações como a industrialização e a urbanização. Durkheim buscava diferenciar a sociologia de disciplinas que explicavam o comportamento humano por fatores individuais, como a psicologia (emoções, intenções) ou a biologia (instintos). Ele argumentava que a sociedade possui uma realidade própria, com leis e dinâmicas que transcendem o indivíduo, e que os fatos sociais são a chave para entender essas dinâmicas.
Ao propor os fatos sociais como objeto de estudo, Durkheim estabeleceu que a sociologia deveria analisar fenômenos coletivos, como normas, valores, instituições ou práticas, usando métodos científicos, como observação empírica e comparação. Isso reforça sua abordagem apresentada em “As regras do método sociológico”, onde ele defende tratar os fatos sociais como “coisas” (objetos externos e mensuráveis).
Para Durkheim o fato social é qualquer padrão de comportamento ou pensamento que seja geral em uma dada sociedade, externo ao indivíduo e possuindo um poder coercitivo, sendo estas as suas principais três características, ou seja: generalidade; exterioridade; coerção.
Por generalidade Durkheim entende serem os fatos sociais coletivos e compartilhados pela maior parte dos membros da sociedade, como tal é o caso das normas de cortesia, que são praticadas pelo grupo social em sua grande maioria.
Por exterioridade Durkheim entende serem os fatos sociais externos ao indivíduo, existindo fora deste, enquanto produtos do meio social e sendo independentes das vontades pessoais. Quando o indivíduo nasce, ele o faz dentro de determinado meio social que já possui normas, regras, valores e mesmo instituições diversas previamente estabelecidas.
Por coerção Durkheim entende serem os fatos sociais coercitivos, exercendo pressão sobre os indivíduos, de modo a compelir as pessoas a segui-los, sob pena de sanções sociais. Quando o indivíduo não cumpre a lei local, está sujeito a punições, do mesmo modo, ignorar regras de etiqueta pode levar à desaprovação social.
Podemos pensar a “linguagem” como exemplo. Quando a pessoa nasce em dada sociedade a linguagem já existe e esta deve aprende-la, começando tal processo já nas primeiras interações sociais, ainda bebê. A linguagem é geral, usada por toda uma comunidade, é externa, o indivíduo não a cria e sim a aprende, é coercitiva, já que quem não segue as regras não é compreendido e, portanto, é excluído.
Durkheim fez uso e aplicação deste conceito em diversas análises por ele empreendidas, demonstrando como fenômenos coletivos moldam o comportamento individual.
Existem diversos exemplos possíveis, tais como as normas sociais (regras de comportamento tais como cumprimentar outras pessoas, respeitar filas), instituições (a família, o sistema educativo, o sistema jurídico), práticas coletivas (rituais religiosos, celebrações públicas), dentre outros.
Trata-se de conceito inovador que coloca a sociedade como sendo uma realidade distinta, com propriedades que são irredutíveis a fatores individuais (psicologia, biologia). Por meio deste conceito Durkheim enfatiza a primazia do coletivo.
Este conceito continua sendo importante na atual sociologia, sendo usado para analisar como normas, regras, valores e instituições moldam comportamentos em distintos contextos. Podemos ver os fatos sociais diante das atuais redes sociais e seu impacto na formação da opinião pública, bem como, no emprego das leis visando regular conflitos.
A ideia presente no conceito "coerção" foi perdendo importância para Durkheim e aparece com menos frequência em textos posteriores e mais maduros. Em obras mais tardias, como “Da divisão do trabalho social”, 1893, (revisada em edições posteriores) e especialmente “As formas elementares da vida religiosa”, 1912, Durkheim suaviza a ênfase na coerção e dá maior destaque à interiorização dos fatos sociais pelos indivíduos. Ele começa a explorar como normas, valores e crenças são assimilados de forma natural, por meio da socialização (ex.: educação, rituais religiosos), tornando a coerção menos explícita. A ideia de coerção permanece, mas é complementada pela noção de que os indivíduos internalizam os fatos sociais, aceitando-os como naturais ou desejáveis, o que reduz a percepção de coerção externa. Durkheim percebeu que a coerção, embora importante, não explica completamente a adesão aos fatos sociais. A socialização (ex.: educação, família) faz com que normas e valores sejam internalizados desde a infância, tornando a coerção menos visível em sociedades complexas.
Sociólogos contemporâneos aplicam a ideia de Durkheim para estudar questões como desigualdade social, globalização e mudanças culturais, muitas vezes combinando-a com outras perspectivas. A noção de que a sociedade exerce uma força coercitiva sobre os indivíduos ajuda a entender fenômenos como a pressão por conformidade em grupos ou a resistência a mudanças estruturais.
O conceito de fato social consolida a visão de Durkheim de que a sociedade é mais do que a soma de seus indivíduos. Ele oferece uma lente poderosa para compreender como as dinâmicas coletivas moldam a vida humana, reforçando a importância da sociologia como ciência. Os fatos sociais mostram como a sociedade nos guia, mesmo sem percebermos. Durkheim nos deu uma lente para entender isso.
5- Consciência coletiva
Introduzido em “Da Divisão do Trabalho Social”, 1893, a consciência coletiva reflete a força do coletivo sobre o indivíduo, funcionando como um fato social que une a sociedade e regula o comportamento. Ela é a base da solidariedade social, garantindo que os indivíduos se sintam parte de um todo maior.
O conhecimento dos fatos sociais se dá por meio da “consciência coletiva” presente na sociedade. É esta consciência coletiva que gera, modifica e impõe tais fatos sociais nas vidas individuais das pessoas.
Por consciência coletiva Durkheim entendia a soma cultural de ideias morais e normativas, deste modo, o mundo social existe a parte do mundo psicológico individual. Ora, a consciência coletiva mostra-se como sendo composta pelo conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos integrantes de uma dada sociedade, formando um sistema determinado e independente.
Cada pessoa possui a sua própria consciência individual, seu próprio modo de se comportar e interpretar a vida que vive, no entanto, em todas as sociedades existem formas de comportamento padronizadas e compartilhadas por todos os indivíduos que compõem esta mesma sociedade, afetando seu modo de pensar e sentir diante dos acontecimentos, aqui estamos diante da consciência coletiva.
O fenômeno para ser coletivo, se encontra presente se não em todos os membros da sociedade, em grande parte dos mesmos, sendo algo comum ao grupo. Não é, no entanto, por estar presente individualmente em cada um do grupo que o fenômeno se torna geral e sim justamente o contrário, ou seja, por fazer parte do grupo, cada um individualmente expressa o fenômeno. Trata-se de um estado presente no grupo social que é aprendido e repetido em cada membro individualmente, sendo imposto pela educação aos seus membros. O fenômeno está em cada parte porque primeiramente está no todo. Deste modo, o indivíduo se submete à sociedade da qual faz parte, se comportando, pensando, sentindo, dentro de determinados padrões aceitos e estimulados socialmente. Esta sociedade protege o indivíduo, trazendo-lhe conforto por fazê-lo sentir-se como parte integrante de um grupo coeso e estruturado.
A sociedade se apresenta como sendo uma realidade nova e distinta das partes que a compõem, ou seja, os diversos indivíduos ali presentes. A sociologia também se mostra distinta da psicologia, pois, a sociologia se atém ao estudo do fato social e da consciência coletiva, que é diferente dos processos subjetivos individuais presente nas pessoas. Enquanto os processos subjetivos se originam de dentro do indivíduo, o fato social e a consciência coletiva provêm de fora, do meio externo ao indivíduo.
O conceito elaborado por Durkheim de “consciência coletiva” se mostra como fundamental na ciência da sociologia que este funda. A consciência coletiva se apresenta como sendo o somatório das crenças, valores e sentimentos compartilhados pelo grupo social, moldando a sua coesão e identidade.
Trata-se do conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos integrantes da sociedade, formando um sistema determinado com vida própria e independente. Não se trata da mera soma das consciências individuais, mas sim de uma nova realidade, distinta, que emerge das interações sociais e se bem que precise dos indivíduos para ser criada e mantida, existe de modo independente destes.
Suas principais características incluem: ser comum ao grupo; ser externa aos indivíduos; exercer coerção moral. Comunalidade: A consciência coletiva é compartilhada pela maioria dos membros de uma sociedade, como valores morais, normas éticas ou crenças religiosas. Exterioridade: Existe fora dos indivíduos, sendo transmitida por meio da socialização (ex.: educação, família, rituais) e moldando suas ações e pensamentos. Coerção moral: Embora menos enfatizada em textos posteriores, a consciência coletiva exerce uma pressão moral sobre os indivíduos, incentivando a conformidade com os valores coletivos.
Se pensarmos em uma comunidade religiosa, suas crenças e rituais fazem parte da consciência coletiva deste grupo, proporcionando união entre os membros e uma orientação para o comportamento a ser adotado, isto mesmo que alguns possam questionar de algum modo.
O conceito de consciência coletiva foi desenvolvido por Durkheim no contexto do final do século XIX, marcado pela industrialização, urbanização e mudanças sociais rápidas. Ele buscava entender como as sociedades mantêm sua coesão em meio a transformações, especialmente com o aumento da divisão do trabalho. A consciência coletiva é central para explicar a solidariedade social, um tema que Durkheim explora em “Da divisão do trabalho social”. Em sociedades tradicionais, ela é forte e homogênea, promovendo a solidariedade mecânica (baseada na semelhança entre indivíduos). Em sociedades atuais, com maior divisão do trabalho, ela se torna mais abstrata, contribuindo para a solidariedade orgânica (baseada na interdependência).
A consciência coletiva conecta-se ao conceito de fato social, pois crenças e valores compartilhados são exemplos de fatos sociais que moldam o comportamento. Ela também reforça o método sociológico de Durkheim, sendo estudada como uma “coisa” observável por meio de práticas coletivas, como rituais ou normas. Durkheim aplicou a consciência coletiva em análises de fenômenos sociais, mostrando como ela integra os indivíduos à sociedade.
A consciência coletiva se mostra presente nas normas e valores morais, nos códigos éticos adotados pelo grupo. Tal é o caso da valorização da honestidade e do respeito por outras pessoas. Na religião as crenças religiosas refletem a consciência coletiva, reforçando a união social por meio de rituais compartilhados. Na educação o sistema educacional atua na sustentação da coesão social transmitindo as novas gerações o ensino de valores e normas pautadas na consciência coletiva. Celebrações públicas, tais como feriados e dias que homenageiam uma data, fato ou pessoa, fortalecem o sentimento de pertencimento a sociedade, emanado destas práticas coletivas.
O conceito de consciência coletiva é inovador por enfatizar a sociedade como uma realidade distinta, com uma “vida própria” que transcende os indivíduos. Diferentemente de abordagens psicológicas, que focam nas mentes individuais, ou econômicas, que priorizam interesses materiais, Durkheim destacou a força dos valores e crenças coletivas.
A consciência coletiva permanece relevante na sociologia, ajudando a entender como valores compartilhados moldam as sociedades atuais. Por exemplo, nas redes sociais, opiniões e tendências refletem uma consciência coletiva contemporânea, influenciando comportamentos. O conceito também é usado para analisar questões como identidade nacional, polarização política ou movimentos culturais, onde valores comuns unem ou dividem grupos. Sociólogos contemporâneos aplicam a ideia de Durkheim para estudar como a globalização ou a tecnologia afetam a coesão social, muitas vezes combinando-a com outras perspectivas.
A consciência coletiva consolida a visão de Durkheim de que a sociedade é um sistema de forças coletivas que dão sentido à vida humana. Ela oferece uma lente essencial para compreender como crenças e valores compartilhados criam laços sociais, reforçando a importância da sociologia como ciência.
6- Divisão do trabalho e Solidariedade (mecânica e orgânica)
O conceito de divisão do trabalho e sua relação com a solidariedade social é central na sociologia de Émile Durkheim, especialmente em sua obra “Da divisão do trabalho social”, 1893. Durkheim analisa como a divisão do trabalho, ou seja, a especialização de funções e ocupações em uma sociedade, influencia a coesão social.
Durkheim defende que a divisão do trabalho em uma sociedade é a origem de sua organização, bem como, dos modos de vida social ali presentes. A divisão do trabalho refere-se à especialização de tarefas e papéis sociais, como a diferenciação entre profissões (ex.: agricultores, artesãos, médicos) ou funções sociais. Para Durkheim, ela não é apenas uma questão econômica, mas um fenômeno social que molda a estrutura da sociedade.
Diferentemente das sociedades pré-capitalistas, a atual sociedade é caracterizada pela divisão do trabalho, a qual ocorre de modo complexo e é fator de coesão social, promovendo a interdependência dos indivíduos. Nas sociedades pré-capitalistas temos um tipo de solidariedade mecânica, que se baseia na comunidade de crenças e na intensidade do consenso expresso na consciência coletiva, já na atual sociedade capitalista temos uma solidariedade orgânica.
O conceito de solidariedade está vinculado às ideias de coesão social e integração social. Durkheim divide a solidariedade em mecânica e orgânica. A solidariedade mecânica vincula-se as sociedades tradicionais pré-capitalistas. Por meio dela os indivíduos se identificam com a família, a religião, as tradições e os costumes. Trata-se de uma sociedade com forte coesão social na qual os indivíduos ainda não se diferenciam do meio social, reconhecendo e adotando os valores provindos deste meio. É o meio social no qual está inserido o indivíduo que lhe proporciona os valores, os sentimentos, os objetos sagrados, todos pertencentes à sociedade da qual o indivíduo faz parte integrante. Já na solidariedade orgânica, temos que esta surge nas sociedades mais complexas e onde existe a divisão do trabalho. Nestas sociedades temos uma maior individualidade e autonomia do indivíduo em relação à consciência coletiva. A divisão do trabalho social torna os indivíduos interdependentes, o que garante a união social, mas não necessariamente os costumes e tradições compartilhadas pelo grupo. Além do aumento de produtividade, a divisão do trabalho produz uma maior solidariedade entre as pessoas dentro da sociedade atual.
A solidariedade social se dá quando o indivíduo atua em prol dos interesses do grupo ao qual faz parte, seja por enaltecer a honra ou outro motivo. A solidariedade social é o vínculo que une os indivíduos ao grupo, mantendo a sociedade unida, baseado na consciência coletiva, que engloba crenças e valores compartilhados. Ele propõe que a solidariedade social pode ser de dois tipos: mecânica, típica de sociedades tradicionais, e orgânica, característica de sociedades industrializadas contemporâneas. Esses conceitos explicam como as sociedades mantêm sua unidade em diferentes contextos históricos. Durkheim usou a divisão do trabalho e a solidariedade para analisar como as sociedades evoluem e se mantêm coesas.
Solidariedade mecânica: Predomina em sociedades tradicionais, onde há pouca divisão do trabalho e os indivíduos têm papéis semelhantes (ex.: todos são agricultores). A coesão vem da semelhança entre os indivíduos, que compartilham crenças, valores e modos de vida homogêneos. A consciência coletiva é forte, com normas rígidas e pouca diferenciação, reforçando a união por meio da conformidade. Em comunidades agrárias ou tribais, a solidariedade mecânica prevalece. Por exemplo, em uma vila onde todos compartilham a mesma religião e ocupação, a coesão vem da semelhança cultural e moral.
Solidariedade orgânica: Caracteriza sociedades atuais, com alta divisão do trabalho e especialização (ex.: existência de diversas profissões). A coesão vem da interdependência entre indivíduos com funções complementares, semelhante a órgãos em um organismo vivo. A consciência coletiva é mais abstrata, permitindo maior individualidade, mas mantendo a sociedade unida pela necessidade mútua. Em cidades industriais, a solidariedade orgânica é dominante. Por exemplo, médicos, professores e engenheiros dependem uns dos outros para o funcionamento da sociedade, criando laços de interdependência.
A divisão do trabalho influencia instituições como a educação, que prepara indivíduos para papéis especializados, e o sistema jurídico, que regula as interações em sociedades complexas. A divisão do trabalho está ligada à consciência coletiva, pois ela determina o tipo de solidariedade predominante. Em sociedades com solidariedade mecânica, a consciência coletiva é homogênea, enquanto na solidariedade orgânica, ela é mais diversa, refletindo a complexidade social. Como um fato social, a divisão do trabalho é externa aos indivíduos, moldando seus papéis por meio de normas e instituições. O método sociológico de Durkheim é aplicado ao estudar a divisão do trabalho como uma “coisa” observável, por meio de indicadores como taxas de ocupação ou organização social.
O conceito de divisão do trabalho e solidariedade é inovador por oferecer uma explicação sociológica para a coesão social, distinta de abordagens econômicas ou individualistas. Os conceitos de divisão do trabalho e solidariedade permanecem relevantes na sociologia. Em um mundo globalizado, a interdependência característica da solidariedade orgânica é evidente nas cadeias produtivas, onde países e profissões dependem uns dos outros.
Podemos pensar que atualmente a tecnologia conecta desenvolvedores, fabricantes e consumidores em uma rede complexa. A solidariedade mecânica ainda é observada em comunidades locais ou grupos culturais que valorizam a semelhança, como em movimentos identitários ou pequenos grupos tribais. Sociólogos contemporâneos usam as ideias de Durkheim para analisar questões como desigualdade no mercado de trabalho, impactos da automação ou coesão em sociedades multiculturais, combinando-as com outras perspectivas.
Diferentemente de Adam Smith, que via a divisão do trabalho como um mecanismo de eficiência econômica, Durkheim a analisou como um fenômeno social que gera solidariedade. Comparado ao Positivismo de Auguste Comte, que era mais teórico, Durkheim usou dados empíricos, como padrões de ocupação, para estudar a transição de sociedades tradicionais para as atuais. Sua analogia com um organismo vivo (solidariedade orgânica) também se diferencia da visão filosófica de Rousseau, que enfatizava a “vontade geral”.
A divisão do trabalho e os conceitos de solidariedade mecânica e orgânica consolidam a visão de Durkheim de que a sociedade é um sistema de forças coletivas que mantêm a coesão social.
7- Anomia
O conceito de anomia, desenvolvido por Émile Durkheim, é um dos pilares de sua sociologia, descrevendo um estado de desregulação social em que as normas e valores que guiam o comportamento coletivo enfraquecem ou desaparecem, levando à desintegração social e à perda de coesão. Introduzido em “Da divisão do trabalho social”, 1893, e aprofundado em “O suicídio”, 1897, a anomia reflete a ausência de regras claras em períodos de rápidas mudanças sociais, impactando a relação entre indivíduos e sociedade.
A anomia (“a-nomos” - ausência do nomos, das leis, das regras) se dá diante de uma situação social de “falta de leis” na qual os sistemas sociais mostram-se incapazes de manter a coesão social, ou seja, neste momento a consciência coletiva unitária deixa de atuar como deveria, havendo uma fragmentação social. A ausência de normas e regras presente na anomia leva a desintegração social.
Durkheim define a anomia como um estado de desordem social causado pela falta de normas reguladoras ou pela incapacidade das normas existentes de orientar o comportamento em contextos de transformação. A anomia surge quando a consciência coletiva enfraquece, deixando os indivíduos sem direção moral ou social.
A anomia se mostra como a contraparte da solidariedade social, pois, enquanto esta se apresenta como um estado de integração ideológica coletiva, a anomia se mostra diante de um estado de confusão e decadência da consciência coletiva.
No final do século XIX, durante a industrialização e urbanização, Durkheim observou que mudanças rápidas, como o aumento da divisão do trabalho, podiam romper os laços de solidariedade social, criando condições para a anomia. Ele via a anomia como uma patologia social, distinta do funcionamento normal das sociedades, que dependem de normas para manter a coesão. A anomia está ligada à divisão do trabalho, especialmente em sociedades modernas com solidariedade orgânica, onde a interdependência exige normas para regular as interações entre papéis especializados. Quando essas normas não acompanham as mudanças sociais, como em crises econômicas ou transições rápidas, a anomia emerge, gerando incerteza e desorientação.
A anomia apresenta características específicas: Ausência ou enfraquecimento de normas; desintegração social; impacto individual. Ausência ou enfraquecimento de normas: As regras que orientam o comportamento social tornam-se insuficientes ou confusas, deixando os indivíduos sem referência clara. Desintegração social: A falta de normas enfraquece os laços de solidariedade, reduzindo o senso de pertencimento à sociedade. Impacto individual: Sem normas coletivas, os indivíduos podem sentir desorientação, isolamento ou insatisfação, pois suas aspirações não são reguladas pelo grupo. Como exemplo podemos pensar em crises econômicas, como a ocorrida com a quebra da bolsa de valores no ano de 1929, que levou a uma recessão de caráter mundial. Neste caso, as normas que regulam o mercado de trabalho tendem a também entrar em colapso, levando os trabalhadores ao sentimento de desamparo e de estarem desconectados da sociedade.
A anomia está intrinsecamente ligada à consciência coletiva, pois seu enfraquecimento é a raiz do problema. Como um fato social, a anomia é um fenômeno externo aos indivíduos, observável em taxas de divórcio, criminalidade ou outros indicadores de desregulação. O método sociológico de Durkheim permite estudá-la como uma “coisa”, analisando dados empíricos, como estatísticas sociais. Na divisão do trabalho, a anomia surge quando a especialização não é acompanhada por normas adequadas, prejudicando a solidariedade orgânica.
Durkheim aplicou o conceito de anomia em análises de fenômenos sociais, especialmente em contextos de mudança: Crises econômicas; transições sociais; comportamentos sociais. Crises econômicas: Flutuações rápidas, como booms ou recessões, podem desestabilizar normas, levando à anomia. Por exemplo, um desemprego em massa pode romper as expectativas de estabilidade profissional. Transições sociais: Durante a industrialização, a rápida urbanização enfraqueceu normas tradicionais, criando um vácuo regulatório. Comportamentos sociais: A anomia está associada a comportamentos como aumento de conflitos trabalhistas ou desintegração familiar, quando as normas não conseguem regular as interações.
O conceito de anomia é inovador por identificar a desregulação social como uma causa de problemas coletivos, distinta de explicações individualistas. Diferentemente de abordagens psicológicas, que atribuem comportamentos desviantes a fatores internos, Durkheim enfatizou a origem social da anomia, decorrente do enfraquecimento da consciência coletiva.
Comparado ao Positivismo de Auguste Comte, que focava na ordem social, Durkheim analisou as disfunções, usando dados empíricos para estudar fenômenos como taxas de criminalidade. Sua abordagem também se diferencia de visões econômicas, como a de Karl Marx, que priorizavam conflitos de classe, ao destacar a regulação normativa como essencial para a coesão.
A anomia permanece um conceito relevante na sociologia atual, ajudando a entender fenômenos presentes em sociedades complexas. Em contextos de globalização, por exemplo, mudanças tecnológicas rápidas, como a automação, podem desestabilizar normas trabalhistas, gerando desemprego e desorientação. Sociólogos contemporâneos usam o conceito para analisar questões como desigualdade social, crise de identidade em comunidades multiculturais ou impactos de crises econômicas globais, combinando-o com outras perspectivas.
O conceito de anomia consolida a visão de Durkheim de que a sociedade depende de normas para manter a coesão. Ele oferece uma lente poderosa para compreender como a desregulação social afeta indivíduos e coletividades, reforçando a importância da sociologia como ciência.
8- Educação
O conceito de educação na sociologia de Émile Durkheim, desenvolvido especialmente em “Educação e sociologia”, 1922 (póstumo), e “A educação moral”, 1925 (póstumo), é central para entender como as sociedades transmitem valores e normas às novas gerações, garantindo a coesão social. Durkheim via a educação como um processo social essencial, que não apenas instrui, mas socializa os indivíduos, integrando-os à consciência coletiva e preparando-os para a vida em sociedade. Sua abordagem destaca o papel da educação na reprodução cultural e na manutenção da solidariedade social.
Na educação de cada pessoa há um componente individual que podemos atribuir a psicologia, e um componente social, que podemos atribuir a sociologia. A construção de um novo ser, de uma nova pessoa dentro da sociedade por meio da educação se dá com a constante assimilação de valores e normas sociais que irão reger o comportamento desta pessoa. O humano é produto da sociedade na qual vive e seu comportamento visa se adequar aos princípios morais e éticos do grupo.
Durkheim define a educação como “a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que ainda não estão maduras para a vida social, tendo por objetivo desenvolver no indivíduo um certo número de estados físicos, intelectuais e morais exigidos pela sociedade”. Ele a considera um fato social, externo aos indivíduos, moldado pela consciência coletiva e influenciado pelas condições sociais, como a divisão do trabalho. No final do século XIX, na Idade Contemporânea, durante a industrialização e a consolidação dos sistemas educacionais nacionais, Durkheim analisou a educação na França, enfatizando seu papel em promover a solidariedade em uma sociedade em transição para a solidariedade orgânica.
Se pensarmos na função Social da Educação, temos que Durkheim argumenta que a educação tem funções sociais fundamentais: socialização, preparar os indivíduos para a divisão presente no mercado de trabalho, atuar na manutenção da coesão social. Socialização: Transmite normas, valores e crenças da consciência coletiva, integrando os indivíduos à sociedade. Por exemplo, ensinar respeito às leis fortalece a coesão social. Preparação para a divisão do trabalho: Prepara os indivíduos para desempenhar papéis específicos em sociedades contemporâneas complexas, promovendo a solidariedade orgânica. Manutenção da coesão social: Contraria a anomia ao reforçar normas morais e cívicas, evitando a desregulação social.
A educação está intrinsecamente ligada a outros conceitos de Durkheim. Como fato social, é externa e coercitiva, observável em sistemas educacionais e currículos. A consciência coletiva determina o conteúdo da educação, definindo os valores a serem transmitidos. A divisão do trabalho influencia o tipo de educação, com sociedades de solidariedade mecânica enfatizando valores homogêneos e sociedades de solidariedade orgânica priorizando habilidades especializadas. O método sociológico é aplicado ao estudar a educação como um fenômeno social, analisando sistemas escolares e sua evolução. Diferentemente do crime, que reforça normas por meio da punição, ou do suicídio, que reflete desequilíbrios, a educação promove a coesão de forma preventiva, moldando os indivíduos.
Durkheim aplicou o conceito de educação para explicar fenômenos sociais, tais como: a transmissão cultural, a formação cívica e moral, a adaptação às mudanças. Transmissão cultural: A educação transmite valores históricos e culturais, como o laicismo na França do século XIX, fortalecendo a identidade coletiva. Formação cívica e moral: Ensina normas éticas e cívicas, como o respeito à autoridade e à diversidade, promovendo a solidariedade. Adaptação às mudanças sociais: Prepara os indivíduos para transformações, como a industrialização, ao ensinar habilidades técnicas e sociais.
O conceito de educação em Durkheim é inovador por tratá-la como um processo social, e não apenas individual ou pedagógico. Diferentemente de abordagens que focavam a instrução técnica ou intelectual, Durkheim enfatizou a socialização e a moralidade como funções centrais.
Comparado ao Positivismo de Auguste Comte, que via a educação como um meio de obter ordem, Durkheim destacou seu papel na coesão e na adaptação às mudanças sociais. Sua abordagem se diferencia de visões econômicas, como a de Karl Marx, ao priorizar a coesão social em vez de conflitos de classe.
O conceito de educação permanece relevante na sociologia atual. Ele é usado para analisar como sistemas educacionais moldam identidades em contextos de globalização e diversidade cultural. Por exemplo, currículos que promovem inclusão contrariam a anomia em sociedades contemporâneas multiculturais. A educação também é estudada em relação à desigualdade social, como o acesso desigual a escolas de qualidade, que pode agravar a desregulação social. Sociólogos contemporâneos aplicam as ideias de Durkheim para avaliar políticas educacionais, como programas de educação cívica, e para entender o papel da educação na redução de comportamentos desviantes, como o crime.
O conceito de educação consolida a visão de Durkheim de que a sociedade molda os indivíduos por meio de processos coletivos. Ele oferece uma lente poderosa para compreender como a educação fortalece a coesão social e prepara as gerações para os desafios da vida em sociedade, reforçando a importância da sociologia como ciência.
9- O suicídio
O estudo do suicídio, desenvolvido por Émile Durkheim em sua obra “O suicídio”, 1897, é uma das contribuições mais marcantes da sociologia, demonstrando que um ato aparentemente individual é influenciado por forças sociais. Durkheim analisou o suicídio como um fato social, examinando suas causas coletivas e propondo uma tipologia com quatro formas principais. Sua abordagem pioneira reforça a sociologia como ciência, ao usar dados empíricos para revelar como a sociedade molda comportamentos individuais.
Durkheim estudou o suicídio como uma manifestação social e não meramente individual, como tal, entendia o suicídio como sendo um fato social presente em todas as sociedades, variando em número de ocorrências e formas pelas quais é praticado. Para Durkheim o suicídio é toda morte resultante de um ato realizado pela própria pessoa objetivando este fim, seja um ato positivo (empreender uma ação para tal fim), ou negativo (deixar de fazer algo para obter este fim). Para haver suicídio, deve antes haver a intenção da pessoa de provocar a própria morte, deste modo, casos acidentais ou provocados por imprudência não são considerados. Os suicídios tendem a variar de acordo com o local e tempo histórico.
Durkheim define o suicídio como “todo caso de morte que resulte direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo, realizado pela própria vítima, sabendo que produziria esse resultado”. Ele o estudou como um fato social, externo aos indivíduos, influenciado pela consciência coletiva e pelas condições sociais, como a divisão do trabalho e a anomia. No final do século XIX, durante a industrialização, Durkheim usou estatísticas de taxas de suicídio em diferentes países para investigar como fatores sociais, e não apenas psicológicos, determinam esse fenômeno. Sua análise desafiou visões individualistas, mostrando que o suicídio reflete o grau de integração e regulação social.
Segundo o pensamento de Durkheim, podemos definir a existência de quatro tipos distintos de suicídio: o egoísta, o altruísta, o anômico e o fatalista. Estes quatro tipos de suicídio, são baseados em dois eixos: integração social (o quanto o indivíduo está ligado ao grupo) e regulação social (o quanto as normas controlam o comportamento).
Suicídio egoísta: Ocorre quando há baixa integração social, ou seja, o indivíduo se sente desconectado da sociedade. Exemplo: pessoas isoladas, como solteiros ou protestantes (que, segundo Durkheim, tinham laços comunitários mais fracos que católicos), têm taxas de suicídio mais altas. No suicídio egoísta a pessoa sobrepõe seu eu ao social, pois, ao não suportar a vida e não encontrando motivos na sociedade para continuar vivendo, escolhe por fim a própria vida.
Suicídio altruísta: Resulta de uma integração social excessiva, onde o indivíduo sacrifica a própria vida pelo grupo. Exemplo: soldados que morrem por honra ou membros de comunidades tradicionais que se suicidam por dever coletivo. No suicídio altruísta temos que o social se apresenta maior que o eu individual e o sujeito põe fim a sua vida em prol de uma causa maior, vinculada ao benefício da sociedade na qual vive. Um bom exemplo aqui temos na segunda guerra mundial com os pilotos kamikazes japoneses, que faziam seus próprios aviões de arma contra os americanos ao chocarem-se propositalmente com seus navios de guerra.
Suicídio anômico: Está ligado à baixa regulação social, associada à anomia, quando normas enfraquecem em períodos de crise. O suicídio anômico ocorre quando temos uma situação de anomia social na qual predomina a desordem e o caos na ausência de leis e regras sociais. Está presente em situações de crise, guerra e mudanças sociais abruptas que proporcionem uma situação entendida pelo sujeito individual como sendo de caos social. Exemplo: durante crises econômicas, como a de 1929, a desregulação aumenta as taxas de suicídio.
Suicídio fatalista: Ocorre em situações de regulação social excessiva, onde normas opressivas limitam a liberdade individual. Exemplo: escravos ou prisioneiros em condições extremas. Este tipo é menos enfatizado por Durkheim, mas completa a tipologia. No suicídio fatalista a pessoa sucumbe ao excesso de controle e restrições sociais (escravidão, prisão, invalidez física, etc.).
O suicídio está intrinsecamente ligado a outros conceitos de Durkheim. Como fato social, é externo e coercitivo, observável em estatísticas sociais. A consciência coletiva determina o grau de integração, enquanto a anomia explica o suicídio anômico, causado pela falta de normas. A divisão do trabalho influencia a regulação social, especialmente em sociedades modernas com solidariedade orgânica, onde a anomia pode surgir. O método sociológico é central, pois Durkheim usou dados empíricos, como taxas de suicídio por religião, profissão e estado civil, para testar hipóteses e estabelecer causalidade social.
Durkheim aplicou o estudo do suicídio para compreender fenômenos sociais, tais como: integração social, mudanças sociais, instituições sociais.
Integração social: Mostrou que grupos com forte coesão, como católicos ou famílias numerosas, têm taxas de suicídio menores, enquanto grupos menos integrados, como protestantes ou indivíduos solteiros, apresentam taxas mais altas.
Mudanças sociais: Analisou como crises econômicas ou transições rápidas, como a industrialização, aumentam a anomia e, consequentemente, o suicídio anômico.
Instituições sociais: Destacou o papel de instituições, como a família e a religião, em promover integração e reduzir taxas de suicídio.
O estudo do suicídio é inovador por tratar um ato individual como um fenômeno social, desafiando explicações psicológicas predominantes na época. Diferentemente de abordagens que focavam em motivações pessoais, Durkheim usou estatísticas para mostrar que fatores sociais, como integração e regulação, determinam as taxas de suicídio.
Comparado ao Positivismo de Auguste Comte, que era mais teórico, Durkheim aplicou um rigor empírico, analisando dados quantitativos. Sua abordagem se diferencia de visões econômicas, como a de Karl Marx, ao priorizar a coesão social em vez de conflitos de classe.
O estudo do suicídio permanece relevante na sociologia atual. Ele é usado para analisar questões como saúde mental em contextos de globalização, onde a desregulação social (anomia) pode aumentar taxas de suicídio, como em períodos de desemprego em massa. Nas redes sociais, a baixa integração social, como o isolamento digital, pode ser associada ao suicídio egoísta. Sociólogos contemporâneos aplicam a tipologia de Durkheim para estudar fenômenos como suicídios em comunidades marginalizadas ou em situações de crise, combinando-a com perspectivas psicológicas e culturais. O foco de Durkheim na integração e regulação também inspira políticas públicas, como programas de apoio comunitário para prevenir o suicídio.
O estudo do suicídio consolida a visão de Durkheim de que a sociedade molda até os comportamentos mais individuais. Ele oferece uma lente poderosa para compreender como forças sociais influenciam a vida humana, reforçando a importância da sociologia como ciência.
10- O crime
O conceito de crime na sociologia de Émile Durkheim, especialmente desenvolvido em “As regras do método sociológico”, 1895, e “Da divisão do trabalho social”, 1893, é uma contribuição fundamental para entender a função social dos comportamentos desviantes. Durkheim argumenta que o crime não é apenas uma violação das normas, mas um fenômeno normal e necessário nas sociedades, pois reforça a consciência coletiva e promove a coesão social. Sua abordagem desafia visões que consideram o crime apenas como uma patologia, destacando seu papel na manutenção e evolução das sociedades.
Durkheim define o crime como um ato que ofende a consciência coletiva, ou seja, os valores e crenças compartilhados por uma sociedade, sendo punido por meio de sanções formais, como leis, ou informais, como reprovação social. Ele o considera um fato social, externo aos indivíduos, observável nas taxas de criminalidade e nas respostas coletivas ao crime. No contexto do final do século XIX, durante a industrialização e mudanças sociais rápidas, Durkheim analisou o crime para entender como as sociedades mantêm a coesão diante de transformações, conectando-o à divisão do trabalho e à anomia.
Para Durkheim, o crime é “normal” porque está presente em todas as sociedades, independentemente de seu grau de desenvolvimento. Ele não é apenas inevitável, mas funcional, pois a reação coletiva ao crime, tais como punições, fortalece as normas e valores comuns, reforçando a solidariedade social. No entanto, em situações de anomia, o aumento desregulado do crime pode indicar uma crise nas normas sociais.
O crime apresenta uma função social, atuando de modo positivo no reforço da consciência coletiva e na promoção da mudança social. Reforço da consciência coletiva: Ao violar normas, o crime provoca uma reação coletiva (ex.: indignação, punição) que reafirma os valores compartilhados. Como exemplo podemos pensar na punição de um roubo, que reforça a importância da propriedade privada. Promoção da mudança social: O crime pode desafiar normas ultrapassadas, permitindo a evolução social. Como exemplo podemos pensar em atos considerados criminosos no passado, como dissidência política, que impulsionaram mudanças em normas hoje consideradas opressivas. Limite da normalidade: O crime é normal quando ocorre em níveis moderados, mas pode se tornar patológico se excessivo, indicando anomia ou desregulação social.
O crime está intrinsecamente ligado a outros conceitos de Durkheim. Como fato social, é externo e coercitivo, observável em estatísticas de criminalidade. A consciência coletiva define o que é considerado crime, pois atos que a ofendem são punidos. A divisão do trabalho influencia o tipo de crime, com sociedades de solidariedade mecânica punindo atos que violam valores homogêneos e sociedades de solidariedade orgânica enfrentando crimes ligados à anomia. O método sociológico é aplicado ao estudar o crime como uma “coisa”, usando dados empíricos, como taxas de criminalidade, para analisar sua normalidade e função. Embora relacionado ao suicídio, o crime se distingue por sua função de reforçar normas, enquanto o suicídio reflete desequilíbrios na integração ou regulação.
Durkheim aplicou o conceito de crime para explicar fenômenos sociais, tais como: coesão social, mudanças sociais, anomia. Coesão social: Em sociedades tradicionais, crimes como blasfêmia reforçam valores religiosos compartilhados. Em sociedades contemporâneas, crimes como fraude financeira destacam a importância de normas econômicas. Mudanças sociais: Atos considerados criminosos, como protestos por direitos civis, podem questionar normas e promover reformas. Indicadores de anomia: Taxas elevadas de criminalidade, como em períodos de crise econômica, sinalizam desregulação social, conectando o crime à anomia.
O conceito de crime em Durkheim é inovador por considerar o desvio como normal e funcional, desafiando visões que o viam apenas como uma ameaça social. Diferentemente de abordagens jurídicas ou morais, que focavam na punição individual, Durkheim analisou o crime como um fenômeno social que fortalece a coesão.
Comparado ao Positivismo de Auguste Comte, que enfatizava a ordem, Durkheim destacou tanto a normalidade quanto as disfunções do crime, usando dados empíricos. Sua abordagem também se diferencia de perspectivas econômicas, como a de Karl Marx, ao priorizar a função normativa do crime em vez de conflitos de classe.
O conceito de crime permanece relevante na sociologia atual. Ele é usado para analisar como a sociedade define e reage a comportamentos desviantes, como crimes cibernéticos em um mundo digitalizado. Altas taxas de criminalidade em contextos de desigualdade ou crise econômica refletem anomia, enquanto movimentos sociais que desafiam leis (ex.: protestos por justiça social) ecoam a função de mudança social do crime. Sociólogos contemporâneos aplicam as ideias de Durkheim para estudar políticas de justiça criminal, como a reintegração de ex-detentos, ou para entender como a mídia amplifica reações coletivas a crimes, reforçando valores sociais.
O conceito de crime consolida a visão de Durkheim de que até comportamentos desviantes têm um papel na coesão social. Ele oferece uma lente poderosa para compreender como as sociedades definem, punem e se transformam por meio do crime, reforçando a importância da sociologia como ciência.
11- Religião
No estudo da religião Durkheim argumenta que a religião é um fenômeno social existente em todas as sociedades, não havendo uma religião que seja verdadeira em oposição a outra que seja falsa. A função da religião na sociedade é de unir as pessoas que a compõem formando um grupo coeso e uma comunidade moral.
O conceito de religião na sociologia de Émile Durkheim, desenvolvido especialmente em “As formas elementares da vida religiosa”, 1912, é uma contribuição essencial para entender como as crenças e práticas religiosas unem as sociedades. Durkheim via a religião como um fenômeno social que expressa e reforça a consciência coletiva, promovendo a coesão social por meio de ritos e símbolos compartilhados. Sua abordagem sociológica desafia visões teológicas ou individuais, destacando o papel da religião na criação e manutenção dos laços sociais.
Durkheim define a religião como “um sistema solidário de crenças e práticas relativas a coisas sagradas, isto é, coisas separadas e proibidas, que unem em uma mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a ela aderem”. Ele a considera um fato social, externo aos indivíduos, moldado pela consciência coletiva e influenciado pelas condições sociais, como a divisão do trabalho. No início do século XX, na Idade Contemporânea, Durkheim analisou religiões totêmicas de povos indígenas australianos para entender os fundamentos da vida religiosa, aplicando essas ideias às sociedades contemporâneas. Sua análise enfatiza que a religião não é apenas crença espiritual, mas um mecanismo social que fortalece a unidade coletiva.
Durkheim argumenta que a religião desempenha funções sociais fundamentais, tais como: reforço da consciência coletiva, criação de identidade coletiva, regulação social. Reforço da consciência coletiva: Ritos e símbolos religiosos, como cerimônias ou totens, expressam os valores compartilhados da sociedade, unindo os indivíduos. Por exemplo, celebrações religiosas reforçam a solidariedade em comunidades. Criação de identidade coletiva: A religião define a comunidade moral, distinguindo o sagrado do profano, e fortalece a coesão social. Por exemplo, rituais coletivos criam um senso de pertencimento. Regulação social: As práticas religiosas contrariam a anomia ao estabelecer normas morais que guiam o comportamento, como preceitos éticos em religiões tradicionais.
A religião está intrinsecamente ligada a outros conceitos de Durkheim. Como fato social, é externa e coercitiva, observável em rituais e instituições religiosas. A consciência coletiva determina o conteúdo do sagrado, definindo o que une a comunidade. A divisão do trabalho influencia o tipo de religião, com sociedades de solidariedade mecânica tendo religiões homogêneas e sociedades de solidariedade orgânica desenvolvendo crenças mais diversificadas. O método sociológico é aplicado ao estudar a religião como um fenômeno social, analisando práticas totêmicas e sistemas religiosos históricos. Diferentemente do crime, que reforça normas por meio da punição, ou da educação, que socializa preventivamente, a religião une a sociedade por meio de símbolos e ritos compartilhados. Em relação ao suicídio, a religião promove integração social, reduzindo taxas de suicídio egoísta.
Durkheim aplicou o conceito de religião para explicar fenômenos sociais, como tal é o caso: coesão social, definição do sagrado, resistência à anomia. Coesão social: Em sociedades tradicionais, rituais religiosos, como cerimônias totêmicas, fortalecem os laços comunitários. Em sociedades contemporâneas, celebrações como o Natal reforçam valores coletivos. Definição do sagrado: A religião estabelece distinções entre sagrado e profano, moldando normas morais, como a santidade da vida em muitas crenças. Resistência à anomia: Instituições religiosas, como igrejas, promovem normas éticas que contrariam a desregulação social em períodos de crise.
O conceito de religião em Durkheim é inovador por analisá-la como um fenômeno social, e não teológico ou individual. Diferentemente de abordagens que focavam a crença em divindades, Durkheim destacou o papel da religião na coesão social, com o sagrado como uma representação da sociedade.
Comparado ao Positivismo de Auguste Comte, que via a religião como um estágio inicial do conhecimento, Durkheim enfatizou sua função social permanente. Sua abordagem também se diferencia de perspectivas econômicas, como a de Karl Marx, que via a religião como um instrumento de dominação, ao priorizar sua capacidade de unir a comunidade.
O conceito de religião permanece relevante na sociologia atual. Ele é usado para analisar como práticas religiosas ou seculares, como o culto a símbolos nacionais, promovem a coesão em sociedades contemporâneas. Em contextos de diversidade cultural, a religião pode tanto unir comunidades quanto gerar conflitos, refletindo tensões na consciência coletiva. Sociólogos contemporâneos aplicam as ideias de Durkheim para estudar fenômenos como o secularismo, onde valores seculares assumem funções religiosas, ou o papel de religiões em comunidades marginalizadas, que contrariam a anomia. O foco na coesão social inspira políticas que promovem diálogo inter-religioso para reduzir conflitos.
O conceito de religião consolida à visão de Durkheim de que os fenômenos sociais, mesmo os espirituais, são expressões da sociedade. Ele oferece uma lente poderosa para compreender como crenças e ritos unem comunidades, reforçando a importância da sociologia como ciência.
12- Conclusão
A sociologia de Émile Durkheim, desenvolvida em um período de intensas transformações sociais pós Revolução Francesa, oferece uma perspectiva poderosa para compreender como as sociedades se organizam, se mantêm coesas e enfrentam desafios. Por meio de conceitos como fato social, consciência coletiva, divisão do trabalho, anomia, suicídio, crime, educação e religião, Durkheim demonstrou que os fenômenos sociais, mesmo os mais individuais, são moldados por forças coletivas. Sua abordagem funcionalista e seu método sociológico rigoroso estabeleceram a sociologia como ciência, analisando desde a coesão em sociedades tradicionais até os desafios da desregulação em contextos contemporâneos. A originalidade de Durkheim reside em tratar comportamentos como crime e suicídio, instituições como educação e religião, e dinâmicas como a divisão do trabalho não como eventos isolados, mas como expressões da sociedade que promovem ou desafiam a solidariedade social.
Na atualidade, suas ideias continuam relevantes, iluminando questões como desigualdade, isolamento digital, diversidade cultural e políticas públicas. Seja na análise de taxas de suicídio, na função social do crime, no papel da educação na socialização ou na capacidade da religião de unir comunidades, Durkheim nos ensina que a sociedade é maior que a soma de seus indivíduos. Seu legado inspira sociólogos a estudar como valores coletivos e normas moldam nossas vidas, oferecendo ferramentas para construir sociedades mais coesas e equilibradas. Assim, o pensamento de Durkheim permanece uma base fundamental para a sociologia, reforçando sua importância como ciência que decifra os laços invisíveis que sustentam a vida em sociedade.
ALGUMAS DE SUAS PRINCIPAIS OBRAS
1- De la division du travail social. Título em Português: Da Divisão do Trabalho Social. Ano da Primeira Publicação: 1893.
O autor empreende uma análise da divisão do trabalho, enquanto fenômeno social que estrutura as sociedades. Distingue entre (1) solidariedade mecânica, característica presente em sociedades tradicionais, com forte coesão baseada em semelhanças, de (2) solidariedade orgânica, típica de sociedades mais complexas, nas quais predomina a interdependência surgida a partir da diferenciação de funções a serem exercidas por seus integrantes. Segundo Durkheim, a divisão do trabalho contribui para a coesão social, mas pode também geral anomia quando não regulada corretamente.
2- Les Règles de la méthode sociologique. Título em Português: As Regras do Método Sociológico. Ano da Primeira Publicação: 1895.
Nesta obra Durkheim estabelece os fundamentos da sociologia enquanto ciência. Entende que os “fatos sociais” devem ser abordados enquanto coisas, como realidade objetivas externas ao indivíduo. Apresenta regras metodológicas voltadas para o estudo científico das sociedades por meio da ciência sociologia. Entende ser importante observar os fenômenos sociais com imparcialidade e buscar identificar as causas e funções dos mesmos.
3- Le Suicide: Étude de sociologie. Título em Português: O Suicídio: Estudo de Sociologia. Ano da Primeira Publicação: 1897.
Neste trabalho Durkheim apresenta uma investigação social sobre o suicídio utilizando o método proposto em “Les Règles de la méthode sociologique”. Aborda o suicídio como sendo um fato social, se propondo a analisar suas causas presentes em fatores coletivos, tal o caso da integração social e a religião. Identifica quatro tipos distintos de suicídio: egoísta, altruísta, anômico e fatalista. Chega como resultado de sua pesquisa que as taxas de suicídio variam conforme o grau de coesão social e as normas que regulam o comportamento individual.
4- Les Formes élémentaires de la vie religieuse. Título em Português: As Formas Elementares da Vida Religiosa. Ano da Primeira Publicação: 1912.
Um exame da religião enquanto fenômeno social. Durkheim fez uso de estudos sobre os aborígenes australianos visando analisar as formas mais básicas de religião. Argumenta que a religião se mostra como sendo uma expressão social, atuando de modo a reforçar a coesão social por meio do uso de símbolos e rituais diversos. Esta obra aprofunda o conceito de “consciência coletiva” e também desenvolve uma discussão sobre a origem das categorias fundamentais presentes no pensamento humano.
5- Éducation et Sociologie. Título em português: Educação e Sociologia. Ano da primeira publicação: 1922). Publicado postumamente.
Esta obra aborda como a educação atua enquanto um processo social essencial para a transmissão de valores e normas da consciência coletiva. Analisa como a educação socializa indivíduos, prepara-os para a divisão do trabalho e promove a coesão social, com ênfase no sistema educacional francês do final do século XIX.
6- L’Éducation Morale. Título em português: A Educação Moral. Ano da primeira publicação: 1925. Publicado postumamente.
Aborda a educação moral como mecanismo para transmitir normas éticas e cívicas, se opondo a anomia. Durkheim destaca a importância de formar indivíduos para a vida em sociedade, promovendo valores coletivos e a solidariedade social em contextos de mudanças rápidas.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
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