Por: Silvério da Costa Oliveira.
Dostoievsky
Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski (1821-1881) nasce em Moscou e falece aos 59 anos de idade em São Petersburgo. O segundo de sete filhos de Mikhail Andreevich Dostoiévski, um médico militar severo e com sérios problemas com o álcool, e Maria Fyodorovna, uma mulher religiosa e de temperamento gentil. Durante sua infância, sua família vivia no Hospital Mariinsky, local de trabalho de seu pai. O hospital ficava localizado em uma área pobre de Moscou, o que proporcionou a Dostoiévski desde cedo, um encontro real com a pobreza e o sofrimento humano, temas que serão relevantes em sua obra literária. O ano de 1837 é marcado pela morte de sua mãe, vítima da tuberculose, e do envio de Dostoiévski e seu irmão mais velho, Mikhail, para um internato na cidade de São Petersburgo.
Em 1838 ingressa na Academia de Engenharia Militar de São Petersburgo, vindo a se formar como engenheiro militar no ano de 1843, mas não demonstrou entusiasmo pela carreira e sim pela literatura, a qual começara a se dedicar. Em 1844 abandona o serviço militar para se dedicar à literatura e em 1846 publica sua primeira obra “Pobre gente”, romance epistolar que foi recebido com entusiasmo pela crítica e em particular pelo então influente crítico literário Vissarion Belinsky (1811-1848). No entanto, suas obras seguintes não tiveram o mesmo entusiasmo da crítica literária, vindo a ser alvo de críticas, o que marca, também, o início de seus problemas de saúde e depressão.
Ficou um período preso na Sibéria, sofrendo exílio (1849-1859), por participar de uma trama contra o Czar da Rússia, Nicolau I, que resultou em seu livro “Recordações da casa dos mortos” (1862), que obteve grande sucesso na época. Em 1849, Dostoiévski participava de um grupo intelectual radical conhecido por "Círculo de Petrashevsky". Tal grupo defendia a abolição da servidão e uma reforma política. Dostoiévski e outros do grupo foram condenados à pena de morte, mas o Czar comutou a pena para trabalhos forçados e exílio na Sibéria, no entanto, fez seus soldados representarem a execução até quase o último momento, gerando uma experiência traumática de enfrentamento da morte iminente. Dostoiévski cumpriu a pena de trabalhos forçados entre 1850 e 1854, depois foi enviado para servir como soldado raso na Sibéria, sendo promovido no ano de 1856 após o Czar Alexandre II conceder anistia parcial aos presos políticos. Dostoiévski retorna a São Petersburgo em 1859, voltando ao cenário intelectual e político e também a publicar suas obras sobre temas psicológicos e sociais de sua época.
Em 1857, casou com Maria Dmitrievna Isáyeva (1824-1864), então viúva, com quem ficaria até sua morte por tuberculose, sete anos depois, em 1864. Foi um período de dificuldades financeiras e acúmulo de dívidas por vezes vinculadas aos jogos de azar. Contratos editoriais levaram a uma publicação frenética neste período.
Mais tarde, em 1867, ele se casou com sua segunda esposa, Anna Grigoryevna Snitkina (1846-1918), uma jovem taquígrafa de 20 anos que ajudou Dostoiévski a terminar "O Jogador", bem como, a superar a crise financeira na qual se encontrava.
Entre os anos de 1867 e 1871 o casal percorreu várias cidades da Europa (Genebra, Milão, Dresden), ainda com dificuldades financeiras em decorrência do vício nos jogos de azar. Em 1869 publica “O idiota” e em 1872 o livro “Os demônios, obras que consolidam sua reputação literária.
No retorno a Rússia, em 1871, passa a atuar como editor da revista “Diário de um escritor”, publicando reflexões sobre política, sociedade e religião. Nesta época passa a usufruir de uma maior estabilidade financeira e social. Em 1880, publicou "Os Irmãos Karamázov", considerado um de seus maiores, se não o maior, trabalho literário.
Dostosiévski atuou como tradutor, romancista, contista, ensaísta, biógrafo, jornalista e escritor. Estudou na Academia Militar de Engenharia de São Petersburgo. É considerado como sendo um dos maiores escritores da literatura mundial. Sua vida pessoal foi marcada por dificuldades financeiras e tragédias pessoais. Quando de sua morte e velório, uma multidão de cerca de 30.000 pessoas acompanhou o corpo.
Dostoiévski começa como estando muito próximo do socialismo, mas após sua experiência com a falsa execução e sua prisão na Sibéria, se aproxima da Igreja Ortodoxa, de modo que podemos considera-lo um cristão ortodoxo contrário às ideias socialistas e também utilitaristas provindas da Europa. Estas experiências, da encenação de sua execução a mando do Czar e do tempo que passou na prisão, vieram, também, a fazer com que este valorizasse muito a liberdade individual. Podemos considerar Dostoiévski como cristão e muito influenciado pela vida de Jesus Cristo. Há um forte vínculo do autor com a Igreja ortodoxa. Também importante em sua vida e obra é a influência de Victor Hugo, de Friedrich Schiller, e de Tolstói, dentre outros.
Considerado um grande romancista, tendo enfocado particularmente em seus romances uma veia filosófica e psicológica, abordando temas importantes na vivência humana, tais como o livre-arbítrio, a culpa, a religião cristã, a razão humana, a pobreza, a violência, o altruísmo, os transtornos mentais que podem levar ao suicídio, ao isolamento, ao sadismo e ao masoquismo. Um dos temas centrais na obra de Dostoiévski se encontra na liberdade humana enquanto bem máximo e se contrapondo à utopia socialista.
Entre os temas centrais abordados pelo autor, temos: a culpa e a expiação; a família e os conflitos; a constante busca pelo sentido da vida. Dentre os temas que foram abordados em sua obra, temos: comportamentos patológicos; tragédias humanas apresentadas como resultando em assassinatos, suicídios, loucura, crimes diversos; a situação social e econômica presente nas camadas mais pobres da sociedade em comparação com os ricos; a realidade do cotidiano da sociedade russa de sua época. Suas obras ficaram conhecidas por abordar o lado psicológico e social presente nas situações vividas por seus personagens, enfocando contextos sociais, políticos, religiosos, filosóficos, espirituais e outros. Por esta ênfase, alguns autores e filósofos no transcorrer do século XX o consideram um precursor do movimento existencialista. Teria também exercido influência, dentre outros, em Sartre, Nietzsche, Freud.
Joseph Frank (1918-2013) enumerou os principais pontos presentes na obra de Dostoiévski como sendo: 1- um enredo que corre rápido e de modo condensado onde temos presente a ação, em suma, muitos elementos ocorrem em um pequeno espaço de tempo no romance. 2- Mudanças inesperadas e abruptas. 3- No lugar de uma descrição pormenorizada do ambiente, uma ênfase grande nos diálogos para caracterizar os personagens. 4- O clímax da obra tende a ocorrer dentro de várias cenas tumultuosas.
Sua obra perpassa a filosofia, a política, a psicologia, a ética e a religião, sempre abordando questões existenciais profundas presentes no ser humano. As ideologias presentes a sua época e os conflitos morais e existenciais do humano são trabalhados em seus romances.
Baseados na própria interpretação dada por Dostoiévski aos seus escritos, dentro de uma meta-narrativa, podemos falar em personagens-tipo, que se fazem presentes e constantes em sua obra visando caracterizar uma forma adotada por alguns dentro da sociedade, como tal é o caso de Jesus Cristo, que pode ser comparado ao personagem Dom Quixote, uma vez que este personagem exemplifica a moral cristã presente em cristãos humildes e modestos. Além do tipo Dom Quixote, temos outros, como tal é o caso do tipo Cleópatra, que representa os cínicos e libertinos, bem como o sadismo amoroso e erótico. Temos o tipo “homem do subsolo”, que caracteriza o sofredor em busca de ser amado. Esta busca tende a se transformar em perversão, sadismo, em virtude da presença do egoísmo e da impossibilidade de amar. Temos o tipo niilista, caracterizado por jovens com ideias revolucionárias europeias, baseadas na ação e o interesse pessoal. Temos o tipo Tipo “Podkolióssin”, caracterizado por pessoas comuns.
Ao tentarmos definir o estilo literário adotado por Dostoiévski encontramos a exploração da condição humana em toda a sua complexidade e dentro de um contexto psicológico, político, social e espiritual. O realismo presente nas questões sociais resultantes da disparidade de condições de vida entre ricos e pobres. A presença de elementos góticos vinculados à obscuridade e mistério presente nas narrativas. A profundidade psicológica que encontramos em alguns de seus personagens hoje já célebres, que incorporam ideias por demais complexas. Seu estilo literário é original e caracterizado por sua profundidade, introspecção e exploração dos dilemas morais e existenciais por meio de seus personagens e situações vividas.
Dostoiévski é considerado um precursor do movimento existencialista que virá mais tarde, na medida em que sua obra trata da liberdade, da responsabilidade e do significado da vida humana, dentro outros temas. A liberdade humana, tão essencial para este, é também sua principal fonte de sofrimento e angústia. O sofrimento, por sua vez, pode ser uma experiência transformadora, um meio para se alcançar a redenção e a autocompreensão. No ser humano encontramos uma combinação de forças contraditórias, um verdadeiro campo de batalha onde de um lado temos o Bem e do outro lado temos o Mal, dualidade esta presente em alguns de seus célebres personagens.
Dostoiévski se mostrou como um crítico das ideias provenientes de ideologias revolucionárias, pois, temia que tais ideias viessem a desumanizar os indivíduos e destruir os valores espirituais. A rejeição de valores morais e espirituais pode levar a consequências danosas, como em “Os demônios”, onde temos a destruição e o caos.
Após sua experiência de quase morte pelo pelotão de fuzilamento e seu exílio na Sibéria, passou a desenvolver uma visão mais conservadora e cristã, se tornando um defensor do cristianismo ortodoxo e rejeitando o materialismo ocidental. Nem no individualismo extremo, nem no coletivismo radical, o sentido real da vida só pode ser encontrado no equilíbrio entre o indivíduo e a coletividade.
A culpa e a consciência da pessoa podem destruir o criminoso mesmo antes da justiça chegar ao mesmo, isto ocorrendo por meio de pensamentos e sentimentos, muito bem expresso no livro “Crime e castigo”, no tocante a mente de Raskólnikov antes, durante e após o assassinato que ele comete. Conflitos internos devastadores, na verdade, estão presentes na mente de muitos dos personagens criados por Dostoiévski, divididos, por vezes, entre seus desejos egoístas e suas aspirações morais.
Enquanto escritor e romancista, o autor tende a confrontar o leitor com profundas questões existenciais de difícil resolução, de modo que, sua obra transcende a literatura, trazendo temas presentes na filosofia, na psicologia e na própria sociedade.
ALGUMAS DE SUAS PRINCIPAIS OBRAS
1- Pobre Gente. Título original: Бедные люди (Bédnyye lyudi). Ano da primeira publicação: 1846.
Primeira obra de Dostoiévski. Trata-se de um romance que apresenta uma crítica social e psicológica sobre a sociedade russa de sua época e que teve enorme sucesso quando publicado. O romance se desenvolve por meio de cartas trocadas entre o funcionário público Makar Devushkin e sua amiga, Varvara Dobroselova. Neste romance são abordados como temas a pobreza, o sofrimento humano e a busca pela obtenção de dignidade.
2- O Duplo. Título original: Двойник (Dvoynik). Ano da primeira publicação: 1846.
O livro apresenta o estilo psicológico do autor, contando uma história sobre um funcionário público, Yakov Petrovich Goliadkin, que começa a ver um outro homem igual a si-mesmo, sendo este o seu duplo. O romance trata e aprofunda questões vinculadas à identidade e à fragmentação da psique humana.
3- Recordações da Casa dos Mortos. Título Original: Записки из Мёртвого дома (Zapiski iz Myortvogo doma). Ano da Primeira Publicação: 1861-1862 (publicado inicialmente em formato de folhetim na revista "Vremya", e como livro em 1862).
Trata-se de relato semiautobiográfico tendo como base as experiências tidas por Dostoiévski durante o exílio na Sibéria. A obra é narrada por Aleksandr Petrovitch Goriantchikov, um nobre condenado por assassinar sua esposa, que serve como alter ego do autor.
4- Memórias do Subsolo. Título original: Записки из подполья (Zapiski iz podpol'ya). Ano da primeira publicação: 1864.
O romance se encaminha para ser uma verdadeira obra filosófica enquanto reflexão sobre o existencialismo e o niilismo. O personagem principal, conhecido por “o homem do subsolo”, vive de modo isolado de outras pessoas e da sociedade. A obra traz monólogos sobre a liberdade humana, o sofrimento e a alienação.
5- Crime e Castigo. Título original: Преступление и наказание (Prestuplenie i nakazanie). Ano da primeira publicação: 1866.
Umas das mais famosas obras do autor. Conta a história de um jovem estudante de nome Rodion Raskólnikov, que comete um assassinato e tem de lidar com as consequências deste ato. A obra aborda questões vinculadas à moralidade, à culpa e ao sofrimento existencial.
6- O Jogador. Título original: Игрок (Igrok). Ano da primeira publicação: 1867.
Um romance que transcorre em uma cidade cassino, acompanhando o personagem principal da trama, Alexei Ivanovich, que luta contra o vício do jogo. Temos uma análise sobre os conflitos internos e a destruição pessoal ocasionada pela obsessão e vício.
7- Os Demônios (também traduzido como "Os Possessos"). Título original: Бесы (Besy). Ano da primeira publicação: 1872.
Análise sobre a política e a revolução na Rússia czarista do século XIX. A história acompanha um grupo de revolucionários radicais que tem como meta a derrubada do governo. São abordados temas tais como: o fanatismo, o caos social, a destruição causada por ideologias extremistas.
8- O Idiota. Título original: Идиот (Idiot). Ano da primeira publicação: 1869.
Príncipe Míchkin é um personagem que é descrito como sendo um “idiota” em virtude de sua bondade e pureza em um mundo corrupto e egoísta. O romance aborda questões vinculadas à moralidade, saúde mental e à tensão entre a bondade por um lado e a crueldade pelo outro, ambas (bondade e crueldade) presentes no ser humano.
9- Os Irmãos Karamázov. Título original: Братья Карамазовы (Brat'ya Karamazovy). Ano da primeira publicação: 1880.
Umas das mais complexas obras do autor. A história ocorre em torno da família Karamázov e da morte do patriarca, Fiódor Pavlovich Karamázov. Um trabalho onde o autor aborda de forma aprofundada questões vinculadas à fé, à razão, ao livre-arbítrio e à moralidade. Temos a presença de questões religiosas e filosóficas.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
(Respeite os Direitos Autorais – Respeite a autoria do texto – Todo autor tem o direito de ter seu nome citado junto aos textos de sua autoria)
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