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A Escolástica Protestante

Por: Silvério da Costa Oliveira.

 

Escolástica Protestante

 

O termo “Escolástica” geralmente aparece vinculado a um movimento presente na Idade Média, no segmento Católico Apostólico Romano, o que pode trazer alguma estranheza quando associado a uma fase histórica posterior ao século XVI e a Reforma Protestante, no entanto, seu uso é correto e faz referência a um grupo específico de teólogos protestantes. Este movimento se fez mais marcantemente presente no século XVII e, posteriormente, ressurgindo no século XIX e mesmo XX, onde temos, por exemplo, os trabalhos de Conrad Emil Lindberg (1852–1930) e Revere Franklin Weidner (1851–1915).

No desenvolvimento da Escolástica devemos nos reportar à Igreja Católica durante a Idade Média, em um período histórico onde observamos um gradativo afastamento das doutrinas presentes em Platão, no platonismo e em Agostinho, a par com uma aproximação do filósofo Aristóteles. É um período de transição do movimento da Patrística para o da Escolástica. As duas principais ordens da época eram a franciscana e a dominicana e em ambas vemos o desenvolvimento da Escolástica, sendo que, na franciscana o neoplatonismo e a obra de Agostinho se mantem muito presentes, enquanto que nos dominicanos há de predominar o pensamento de Aristóteles. Há muitos pensadores no período, mas podemos citar, por exemplo: Anselmo, Boaventura, Alberto Magno, Tomás de Aquino, Guilherme de Occam e Duns Scotus, dentre outros.


 

No surgimento da Escolástica, e seu uso na teologia de então, esta se mostrou como sendo uma abordagem metodológica mais sistemática, desenvolvida em um ambiente escolar (prédios próprios para ensino, alunos, professores, livros) presente nas escolas e universidades que começavam a surgir e se desenvolver em algumas cidades medievais. Temos uma maior atenção aos textos clássicos e a redescoberta de algumas obras e autores. Neste ambiente propício ao estudo, mesmo temas fora da realidade prática cotidiana eram seriamente estudados, propiciando maior investigação e especulação teológicas, livres de qualquer necessidade urgente de sobrevivência ou aplicação no dia-a-dia do povoado/cidade ou da Igreja. Por meio da aplicação do método filosófico, da lógica de Aristóteles e do uso da razão para interpretar as Sagradas Escrituras, buscava-se a verdade enquanto um todo consistente. Ocorreu uma organização e sistematização de todos os estudos anteriores, desenvolvendo um método próprio de ensino e aprendizagem visando a preservação e ampliação do conhecimento.

Desde o surgimento da Escolástica, a lógica de Aristóteles teve um papel de destaque, donde podemos inferir a importância dada ao uso da correta terminologia, a necessidade de desenvolver um raciocínio proposicional, o valor presente no uso dos silogismos, a importância de priorizar uma análise racional. Deste modo, a Escolástica na teologia apresentou-se desde o início não como uma doutrina religiosa, mas sim como um método para se fazer teologia, uma correta metodologia para o estudo dos textos sagrados.

Em verdade, do mesmo modo que antes os católicos fizeram, coube também aos pensadores protestantes terem de escolher qual filosofia usar, pois, não há como não usar uma base filosófica, mesmo que não se tenha consciência de o fazer. A Escolástica protestante tende, portanto, a reconhecer justamente a importância de delimitar e pôr ao exame as crenças adotadas e os sistemas, sempre de modo erudito e com o devido rigor filosófico.

Há diferenças marcantes entre o que chamamos de “Escolástica” vinculada à Igreja Católica e o que chamamos de “Escolástica” vinculada às Igrejas Protestantes. Entre os protestantes temos um sério compromisso com as bases da Reforma, o que nos traz para primeiro plano a autoridade das Escrituras Sagradas como sendo a única, bem como, que somente pela fé pode-se ter a justificação do pecador. Podemos dizer que está totalmente presente a máxima protestante de: Sola Fide, Sola Scriptura e Sola Gratia (somente pela fé, somente pelas Escrituras, somente pela Graça).

A estes pensadores cabe o foco na clareza da terminologia, a apresentação extensiva dos argumentos em prol das doutrinas defendidas, a refutação dos argumentos contrários. Temos presente uma argumentação sobre a relação existente entre por um lado a fé, a teologia, e por outro, a razão, a filosofia. Temos presente também a influência de Aristóteles no tocante à adoção do “realismo”, que permite que ao nos debruçarmos sobre o que nossos sentidos captam do mundo externo, adotemos tal como sendo a verdade das coisas por nós observadas. Mas não somente a aproximação do realismo em filosofia, como também o afastamento do nominalismo.

Se nos atermos a Lutero e Calvino, mesmo em sua ênfase as Escrituras Sagradas, eram homens de seu tempo e como tal, influenciados em suas ideias pelas discussões correntes quanto a filosofia na teologia e podemos perceber no discurso de ambos, Lutero e Calvino, tanto a presença de Platão, como também Aristóteles, dois marcos importantíssimos de toda a cultura ocidental. Nos sucessores de Lutero e Calvino, a Escolástica e o pensamento de Aristóteles e Tomás de Aquino se fizeram, no entanto, bem mais presentes. Formas escolásticas foram empregadas para exposição de ideias e argumentos e o silogismo formal esteve presente, bem como, observamos um estreitamento da relação entre razão e revelação em todo o processo teológico.

Há vários nomes que podem ser aqui citados e desenvolvidos e, portanto, citarei somente alguns para melhor posicionar o ponto central aqui desenvolvido. Comecemos por Girolamo Zanchi (1516-1590). Este pensador se apresenta como sendo um importante teólogo da Reforma Protestante e vinculado à Escolástica Protestante, o que se mostra evidente pela leitura e estudo de sua obra, seus escritos e ensinamentos ali presentes. Tendo estudado na Universidade de Padova, Zanchi sofreu influência do humanismo renascentista e da filosofia escolástica. Também fez parte do mosteiro agostiniano de Lucca, tendo ali se convertido às ideias professadas pela Reforma. Teve de fugir da Itália pelo motivo das perseguições religiosas que então ocorriam e foi encontrar abrigo em cidades protestantes na Suíça, Genebra e Alemanha, tendo, inclusive, travado contato pessoal (1552-1553) com Calvino. Atuou como professor de teologia em diversas universidades protestantes, tendo nestas ocasiões feito a escolha por aplicar métodos escolásticos objetivando a sistematização e defesa da teologia da Reforma Protestante. Demonstrou grande habilidade na utilização da lógica de Aristóteles presente na Escolástica, na discussão de complexas questões doutrinárias. Cabe a Girolamo Zanchi ser, portanto, um representante da Escolástica Protestante, apresentando o rigor metodológico presente na Escolástica conjuntamente com a presença de princípios teológicos da Reforma Protestante.

Outro nome importante é o de Théodore de Bèze (Theodore Beza – 1519-1605), também fortemente vinculado à Escolástica Protestante. Beza atuou como teólogo protestante de destaque e também foi o sucessor de João Calvino a frente da cidade de Genebra. Coube a Beza ter um papel vital no desenvolvimento e na disseminação da teologia presente na Reforma Protestante, tendo em muito contribuído para a Escolástica protestante por meio de suas obras sobre teologia e do papel que desempenhou na Academia de Genebra. A teologia desenvolvida por Beza apresenta forte ligação com a doutrina de Calvino, tendo Beza sistematizado e defendido as ideias de Calvino. Parte da ortodoxia presente na Reforma protestante foi estruturada e ganhou forma definida a partir dos embates e disputas teológicas das quais Beza participou em sua época. A abordagem escolástica se encontra presente em suas obras, exposições e comentários às Escrituras Sagradas, proporcionando uma melhor organização e argumentação teológica, apresentando uma contribuição duradoura para a Escolástica Protestante.

Também importante citar Johannes Althusius, ou Johannes Althaus (1557-1638), vinculado à Escolástica Protestante e à teologia política, atuando como teólogo e jurista. Em sua obra faz uso de uma metodologia sistemática e também do uso de categorias presentes na Escolástica. Coube a ele unificar princípios teológicos presentes na Reforma Protestante com uma abordagem sistemática ao direito e à política, mostrando tanto a presença da influência da Escolástica, como também da doutrina Protestante. Althusius é muito conhecido por defender o princípio federalista para adoção no governo.

Também Francis Turretin (ou François Turretin, 1623–1687), considerado um dos mais significativos representantes da Escolástica Protestante. Turretin fez uso da lógica de Aristóteles visando formular e defender pontos doutrinários na Teologia Protestante, focando na clareza de sua exposição dos conceitos analisados nas Sagradas Escrituras.

Em suma, a “Escolástica Protestante”, que também pode ser chamada por “Ortodoxia Reformada” ou “Teologia Protestante Escolástica”, se mostrou como um movimento histórico que surge no século XVI com a Reforma Protestante e tem seu maior desenvolvimento no século XVII. Tinha como meta a sistematização e a defesa das doutrinas cristãs presentes na Reforma Protestante por meio do uso da filosofia, em particular de Aristóteles, com o emprego de categorias presentes na Escolástica medieval, da lógica e em particular dos silogismos estudados na Escolástica e cuja origem se encontra na filosofia de Aristóteles. Buscava a sistematização, organização e clareza na exposição, argumentação e análise dos temas tratados, proporcionando uma união entre a razão expressa pela filosofia, com a fé expressa pela teologia. O esforço de buscar a integração entre por um lado o rigor da filosofia e lógica, com, por outro lado, doutrinas teológicas de base na Reforma Protestante se mostra como a essência deste movimento histórico, presente à Escolástica Protestante desde seu início. Seu desenvolvimento ocorreu nas universidades e seminários da Europa protestante. Dentre seus principais teóricos temos: Theodore Beza (1519-1605), Johannes Althusius (1557-1638), Francis Turretin (1623-1687), Girolamo Zanchi (1516-1590).

 

Silvério da Costa Oliveira.

 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

Site: www.doutorsilverio.com

(Respeite os Direitos Autorais – Respeite a autoria do texto – Todo autor tem o direito de ter seu nome citado junto aos textos de sua autoria)

 

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