Por: Silvério da Costa Oliveira.
Gottfried Wilhelm Leibniz (Leipzig, 1646-1716, Hannover). Seu pai vem a falecer quando Leibniz ainda é bem jovem (seis anos de idade), no ano de 1652, como este era professor universitário, lecionando sobre filosofia moral, deixou uma vasta biblioteca com autores clássicos que foi estudada por Leibniz, o qual se mostrou não somente autodidata, como também polímata, ou seja, aquele que possui múltiplos interesses e se dedica a todos com igual entusiasmo e êxito. Aos 20 anos de idade somente, lhe foi oferecida uma cadeira na faculdade de Direito como professor, mas ele não aceitou, preferindo deixar de lado a vida acadêmica dentro de uma instituição tradicional de ensino para se dedicar profissionalmente a atividades vinculadas a corte.
Antes dos 21 anos completos já havia concluído seu doutorado e publicado diversos trabalhos originais, estudos em lógica e direito. Isto, claro está, veio a chamar a atenção para ele e passa a ocupar cargos na corte real, bem como passa a desempenhar missões oficiais e diplomáticas.
Dedica-se a política por meio de seus escritos e pela atuação em prol de algumas causas, como, por exemplo, tentar influenciar o rei da França, Luis XIV, a voltar seus interesses expansionistas da Europa, que afetavam interesses da Alemanha, para o Egito e os infiéis muçulmanos, ou também, uma tentativa de unificar as diversas religiões cristãs então existentes na Europa, formando no lugar de várias Igrejas, uma única Igreja Cristã. Mas em ambos os casos, apesar de seus amplos esforços, não conseguiu lograr êxito.
Conheceu e se relacionou com muitas pessoas notáveis de sua época, tal o caso de Antoine Arnauld, Malebranche, Spinoza, Isaac Newton, Huygens e outros mais. Publica em vida sobre filosofia somente poucos trabalhos, deixando a discussão maior de suas ideias para sua volumosa correspondência. Cabe destacar a publicação de vários artigos em jornais e também do livro “Ensaio de teodiceia”, de 1710. Infelizmente ele não organizou sua obra enquanto vivo, o que somado aos seus diversos e intensos interesses, tornou difícil a empreitada dos seus comentadores. Até hoje carecemos de uma obra completa definitiva e seus contemporâneos não puderam dispor de seus principais trabalhos organizados e publicados para serem estudados e comentados adequadamente.
Dentre suas contribuições temos o triângulo harmônico, pelo qual se propôs a resolver problema proposto por Christiaan Huygens, por meio deste triângulo, também conhecido por triângulo de Leibniz, pode calcular o valor da série infinita dos inversos dos números triangulares, problema este de interesse na matemática e outras disciplinas afins. Também cabe destacar a descoberta do cálculo infinitesimal e integral (desenvolveu a ideia em 1676 e a veio a publicar em 1684), que, inclusive, gerou por parte de partidários e seguidores dele e de Newton uma certa polêmica quanto a quem teria sido o primeiro a fazer esta descoberta, pois, ambos os autores chegaram de modo independente as mesmas conclusões, por volta da mesma época e sem o conhecimento do trabalho do outro. E também inventou uma calculadora durante sua estada na França, que depois teve oportunidade de mostrar e demonstrar em viagem a Inglaterra.
Ao se deparar com a divisão de Descartes entre res cogitans e res extensa, coisa pensante e coisa extensa, praticamente Leibniz descarta a segunda e se atem somente a coisa pensante, imaginando um mundo de mônadas. Apesar de inicialmente aceitar a noção de substância tal como Descartes a elaborou aos poucos vai modificando a mesma. Leibniz propõe uma definição lógica para a substância, como sendo o sujeito ao qual podemos atribuir muitos predicados, mas ele próprio não é predicado de qualquer outro sujeito. Por sua vez, também lhe dá um valor ontológico ao afirmar que a essência da substância é a força e a atividade, pois, a substância é um ente dotado de potência para agir. Enquanto em Spinoza temos um monismo, em Leibniz temos um universo cheio de substâncias, um número infinito de substâncias, havendo as simples que não dispõem de partes e devem ser chamadas de mônadas, e as compostas por agregados de mônadas. A substância é em essência força, vida e atividade. As substâncias, em Leibniz, não estão constituídas por elementos inertes e sem vida. As coisas são compostas por elementos vivos, por elementos de pensamento. As mônadas são os primeiros princípios constitutivos das coisas. Os corpos são agregados de mônadas. Os corpos inorgânicos são agregados acidentais e os orgânicos possuem uma mônada principal ao redor da qual as demais se reúnem, esta mônada principal é a alma.
O termo mônada demora para aparecer na filosofia de Leibniz, vindo a surgir somente em 1696, mas mesmo antes disto temos a presença deste conceito, vejamos, por exemplo, que no ano de 1685 no “Discurso sobre a metafísica” Leibniz fala de substâncias individuais.
Podemos entender a mônada como uma unidade simples, não composta e não divisível, bem como cabe destacar sua imaterialidade, não se trata aqui da teoria dos átomos, as mônadas são diferentes dos átomos, pois estes são somente matéria e segundo Leibniz não seria possível sua existência já que qualquer coisa extensa poderia sempre ser novamente dividida ao infinito.
As mônadas são cada qual um indivíduo distinto e se apresentam em quantidade infinita dentro de um universo também infinito. O universo é infinito pois não teria o que definir seus contornos, pois, este contorno e o que tivesse após o mesmo também seria parte do universo. As mônadas são indivisíveis e inextensas, pois não ocupam lugar no espaço e não possuem dimensões. Se tivessem extensão teriam obrigatoriamente de ter distinção entre suas partes e elas não possuem partes. A matéria é divisível ao infinito, mas a mônada é indivisível. Sua essência é a força e a atividade e não a matéria ou extensão, logo, são imateriais. Elas não surgem naturalmente e nem deixam de existir. Foram todas criadas por Deus e só por ele podem ser aniquiladas. Já a matéria pode ser destruída desagregando as diversas partes que a compõe. Não se comunicam entre si. Cada mônada é como um mundo à parte dos demais, independente de todos, menos de Deus. Cada mônada é um microcosmos onde tudo nela se reflete como se fosse um espelho refletindo outros espelhos. Presente, passado e futuro se encontram mesclados dentro de cada mônada como se fosse a percepção do som de ondas quebrando na praia, onde não distinguimos o som de cada onda individualmente ou mesmo de cada gota d’água que a compõe e sim o som de todo o conjunto mesclado, somente Deus pode distinguir cada parte individual que forma o todo e deste modo perceber e entender a tudo.
Há um pan-vitalismo no universo proposto por Leibniz onde temos formas, elementos viventes e pensamentos por toda parte. A matéria não passa de uma bem fundada hipótese. Tudo vive no universo.
À semelhança do brinquedo “lego” ou mesmo dos átomos, as mônadas em Leibniz se agregam como se fossem blocos de construção do universo e das coisas e criaturas nele existentes.
Há a mônada alma e acima de todas as mônadas há a mônada Deus. Deus é o infinito não criado e criador de tudo. Trata-se aqui de um Deus pessoal, inteligente, livre, criador, conservador, atuando por causas finais e exercendo a providência de modo paternal e amorosa por sobre tudo e todos. Deus é a mônada primeira, a unidade por excelência e imagem de todas as demais unidades. Deus é o princípio e fim de tudo, causa e razão da harmonia universal.
A criação do mundo é moralmente necessária, porque afeta a bondade e sabedoria de Deus tornar real este possível.
Deus podia criar qualquer um dos infinitos universos possíveis, mas criou este por ser o melhor. Sua infinita bondade o direciona a criar sempre o melhor. A sabedoria de Deus conhece, sua bondade o escolhe e seu poder o produz. O melhor dos mundos possíveis é este no qual vivemos.
Deus é o ser perfeito e criador, sendo detentor dos predicados que os diversos estudos da tradição lhe descobriram, tais como ser onisciente, onipresente, benevolente, perfeitíssimo, sapientíssimo. Leibniz acata as anteriores provas sobre a existência de Deus, lhes acrescentando alguns comentários próprios, assim temos os seguintes cinco argumentos visando a provar a existência de Deus:
1- Argumento ontológico (santo Ancelmo)
2- Argumento cosmológico / razão suficiente
3- Argumento das verdades eternas – lógico matemáticas (Deus pensa e enquanto pensador estas verdades existem em sua mente, na mente do pensador)
4- Argumento do desigh (arquiteto do universo) ou argumento da harmonia pré-estabelecida, em Leibniz
5- Argumento da lógica modal, em Leibniz
Segundo o argumento da lógica modal proposto por Leibniz, temos um acréscimo ao argumento ontológico, pois, resta saber se não há contradição na existência deste ser e se o mesmo é possível. Trata-se de ir da possibilidade para a atualidade, deste modo, se o ser necessário é possível, então ele existe.
Sua existência (ser necessário) depende unicamente da mesma ser possível, de modo que podemos estruturar este raciocínio do seguinte modo:
1- Se o ser necessário não é possível, então nenhuma existência é possível
2- Se o ser necessário é possível, então ele existe
3- Portanto, se o ser necessário não existe, então nada existe
4- Mas alguma coisa existe
5- Consequentemente o ser necessário existe.
Para provar a existência de Deus Leibniz aceita os argumentos formulados por outros pensadores e por vezes os aperfeiçoa, tal o caso do argumento ontológico de Santo Ancelmo, onde Leibniz acrescenta a possibilidade, ou seja, não basta termos a ideia de algo, mas é necessário que este algo seja possível.
Um segundo argumento aceito é o da contingência do mundo que faria ser necessário uma causa ou razão suficiente que tudo iniciaria, pois, se tudo tem uma causa para ocorrer, há de haver uma causa inicial, ou seja, Deus. Um terceiro argumento aceito por Leibniz é que Deus existe do mesmo modo que as verdades eternas, sendo o responsável pelas mesmas, tal o caso de verdades lógicas e matemáticas. E um quarto argumento é baseado na harmonia preestabelecida, baseada na tese defendida por Leibniz da incomunicabilidade entre as diversas substâncias e que, no entanto, demonstram total concordância entre si e as demais, deste modo, caberia a existência de quem originalmente criou com tal perfeição todas as substâncias de modo a que estes atuem como músicos dentro de uma orquestra regida por um maestro.
Certas questões lógicas são de suma importância para entendermos as bases da filosofia de Leibniz, tal é o caso dos princípios:
1- Princípio da não-contradição ou princípio da contradição
2- Princípio da identidade dos indiscerníveis
3- Princípio da razão suficiente
4- Princípio da perfeição
5- Princípio da continuidade
6- Princípio da plenitude
7- Princípio da harmonia
8- Princípio da universalidade
9- Princípio da compossibilidade
Dentro do pensamento filosófico de Leibniz algumas ideias centrais ou princípios se destacam, como, por exemplo, a harmonia, a continuidade e a universalidade. Também cabe destaque a importância de alguns princípios, dentre os quais podemos destacar: princípio da harmonia, princípio de continuidade (toda mudança ocorre gradativamente e sempre há um grau intermediário entre dois estados. Na natureza e no universo não existem saltos na evolução), princípio da plenitude (não há vazio ou vácuo, sendo tudo preenchido), princípio de perfeição, princípio da identidade dos indiscerníveis, princípio da compossibilidade (segundo o qual para que algo exista não basta que seja possível e sim que seja possível conjuntamente com outras coisas existentes no mundo real), princípio da não contradição (ou princípio da contradição), princípio da razão suficiente.
Pelo princípio da razão suficiente, todas as verdades contingentes, a posteriori, feita uma redução ao infinito, se tornariam necessárias e analíticas. Nós não somos capazes pelo fato de nossas limitações a efetuar uma tal redução ao infinito de todas as causas das causas, mas na mente de Deus esta verdade passa a ser analítica, pois, Deus é capaz de enxergar todas as causas que levariam a necessidade da mesma.
Podemos afirmar dentro da filosofia de Leibniz, que todas as proposições verdadeiras são analíticas, pois, se finitas, encontram a verdade pelo princípio da não-contradição, e, se infinitas temos a atuação do princípio da razão suficiente, e que Deus pelo princípio da perfeição escolheu este por ser o melhor dos mundos possíveis, logo, encontramos por tal caminho também a verdade das proposições. Claro está que esta verdade se dá somente na mente de Deus, pois, as demais criaturas são limitadas e não percebem toda a cadeia causal que leva a necessidade.
Pelo princípio de perfeição, escolheu Deus este mundo para criar por ser comparativamente com outros possíveis mundos, o melhor. Deus age da melhor maneira possível.
No pensamento filosófico de Leibniz importante destaque deve ser dado a harmonia pré-estabelecida e a conclusão de que vivemos no melhor dos mundos possíveis.
A tese de vivermos no melhor dos mundos possíveis entende que esta escolha foi feita por Deus quando da criação, pois, havia diversos possíveis mundos que poderiam ser criados e diante destes possíveis mundos Deus escolheu criar este baseado em que este permite, se comparado aos demais também possíveis, uma maior variedade de fenômenos com uma maior simplicidade de leis para reger a estes mesmos fenômenos. Também podemos dizer que este mundo criado proporciona uma maior variedade com simplicidade e uniformidade.
Se observarmos em detalhe, podemos concluir que dentro da filosofia de Leibniz a partir do princípio de razão suficiente, podemos por um lado chegar ao princípio de identidade dos indiscerníveis e por outro lado, seguir em direção a perfeição e plenitude e posteriormente aos princípios da harmonia e também da continuidade.
Fica a questão, não bem clara em Leibniz, sobre como em tal sistema possamos ter a liberdade de Deus e a nossa própria liberdade, bem como, tende a se aproximar da ideia de necessidade presente no sistema filosófico de Spinoza. Se Deus não pode falhar na escolha do melhor, ele não é livre para escolher. Mas Leibniz nega que “quem não pode falhar em escolher o melhor, não é livre”.
Leibniz há de discordar do ocasionalismo proposto por Malebranche, bem como do intervencionismo, no qual passa a haver a necessidade de ajustes no sistema, tese presente aos seguidores de Newton. Prefere Leibniz defender a ideia de existência de uma harmonia pré-estabelecida que foi criada por Deus quando este criou a tudo.
Pela harmonia preestabelecida temos um bom exemplo dado por Leibniz que diz que para que a alma e o corpo atuem sobre o mundo há três possibilidades, ou um interfere no outro comandando-o, ou alguém de fora intervém constantemente acertando os ponteiros dos relógios ou ambos foram construídos com tal precisão que funcionam sempre marcando a mesma e exata hora, tal é a relação mente corpo.
Para manter a liberdade dentro do sistema de Leibniz cabe entender a diferença entre a necessidade provinda de um absoluto, metafísico, lógico e matemático, de uma outra provinda de um fator hipotético e moral. O objeto pode determinar a vontade de Deus, mas não se impõe como uma necessidade que deva ser obrigatoriamente cumprida. A necessidade metafísica se mostra no princípio de contradição, que anula a liberdade. Já a necessidade moral e hipotética se faz presente no princípio de razão suficiente, pois, este determina a razão e a vontade sem anular a contingência.
Segundo o pensamento de Leibniz, existem três classes de mal. O mal metafísico, o mal físico e o mal moral. No primeiro, o mal metafísico se origina da imperfeição da criatura baseada em suas limitações e incompletudes diante de Deus. Se Deus criasse um ser completo e de nada privado, teria criado a outros deuses que nem ele, o que não seria possível e é visto como um absurdo por Leibniz. Já com relação ao mal físico e ao mal moral (ou o pecado) temos que dentre os inúmeros mundos possíveis de serem criados por Deus, ele escolheu o melhor e se bem que possamos imaginar um no qual não haja dor ou pecado, dentro da sabedoria de Deus este no qual nós vivemos é com certeza aquele cuja bondade de Deus escolheu por ser o melhor para nós. Deus poderia criar um mundo sem pecado, mas em tal mundo também não haveria liberdade e consequentemente não seria possível desenvolver a moralidade e a virtude. É preferível um mundo onde possamos ser livres e nos desenvolver do que um mundo onde não haja liberdade possível. Já no tocante aos males físicos, a dor e sofrimento, estes são necessários para que possamos distinguir e valorizar a saúde e o prazer.
Quanto à substância, esta se faz presente na discussão principal elaborada por Leibniz, fazendo aqui par com outros pensadores que também deram um lugar de destaque a mesma, tal o caso de Descartes e Spinoza. Em Leibniz a substância é um ser capaz de ação, sendo Deus a substância primordial.
Ao adágio presente na escolástica medieval e também em Locke, de que “nada há no entendimento que não tenha estado nos sentidos”, Leibniz há de acrescentar “exceto o próprio entendimento”. Abrindo deste modo espaço para ideias inatas que viriam a compor este entendimento, incluso aqui verdades bem básicas da razão, tais como os axiomas do princípio da identidade e da razão suficiente, princípio da contradição e as ideias necessárias para o entendimento e uso de tais princípios pela nossa razão, ademais, o próprio conceito de monadologia proposto por Leibniz nos traz a necessidade do inatismo, pois, a mônada não possui janelas e não se relaciona ou comunica com as demais, de modo que nela tudo preexiste.
Disto tudo cabe realçar a enorme importância de Leibniz como alguém que apresentou enormes contribuições em diversos campos do saber e cujas ideias estão presentes ainda hoje em campos tais como as matemáticas, a física, a ciência da computação, o direito e muitos outros saberes. Para quem estuda profissionalmente filosofia e história ou para quem tem interesse e paixão por tais áreas do saber mesmo se dedicando profissionalmente a outro campo, o pensamento de Leibniz tende a se mostrar renovador e instigador, de modo que sua leitura e estudo se reveste de importância e atualidade em pleno século XXI.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
1- Site: www.doutorsilverio.com
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